Para Cacaia
Um lago pacato se estendia entre os braços de Montanha pontuda e Colina de bumbum pro ar. Era um tédio milenar. Uma preguiça geológica imemorial.
Naquele pedaço esquecido do mundo, chovia de vez em quando, mas só dava uma coçadinha na superfície do lago. Fazia sol também, mas nem fum no seu gogó. Ele só mamava tranquilo nos rios que brotavam das tetas de Montanha e Colina e arrotava ondinhas nas margens arenosas.
Para quem olhasse de fora, era um êxtase lírico e arroubos poéticos se perdiam nos desvarios dos tempos. Mas para quem armava a cena, era uma preguiça, uma falta de viço, um coma estéril.
Até que um vento safado, um cupido pornográfico, resolveu passar por ali. Não havia quem acudisse a tamanho fudevu, e a chuva, lasciva messalina, acudiu no rendez-vous.
Choveu tanto que o lago despertou e inundou pés e encostas. Foi subindo, subindo, subindo. E quanto mais subia, maior a febre. Colina enfeitou-se de brilho, Montanha suava em bicas.
Ao final de dois dias, o vento distraiu-se e foi armar-se em outras praias.
Mas Montanha e Colina deliravam em cama ardente tamanha tinha sido a corte que o malandro aprontara. Suas súplicas eróticas chegaram a seus ouvidos.
Ô cupido de sádico saber!
Vez por outra, lá ia ele cutucar Montanha e Colina.
Cutucava e se mandava, cutucava e escapulia, gargalhando, gargarejando, garganteando “sem contenção não tem tesão!”
E o lago transbordou um belo dia, num fluxo de interminável gozo.