O arqueólogo

Para Aaron

Morava numa montanha bem alta e, quando o sol escorregava para o chão, o velho despertava. Apressadinho, chacoalhava os ossos e saía.

Logo na soleira da casa, desvelava um olhar preciso: o poço resistira.

Era assim: ele dormia de tanto sonhar. Mas, na primeira hora da noite, corria para o poço, tirava a tampa, aninhava-se no balde e soltava a polia.

Um, dois, três, vinte e quatro, vinte e cinco, cento e quarenta e nove, mil oitocentos e vinte e três.

Aproximadamente três metros de sonhos fujões. O poço secara muito dessa vez. Ele nem lembrava de nada não.

No coração da montanha, ele tirava a picareta, o delicado pincel e seu caderno pautado. Fosseis quebrados  desenhavam as viagens que se foram.

Agachado no escuro, ele psicografava vestígios.

Quando lá no alto uma nuvem de luz tremelicava, era hora de voltar, um tanto compensado, um tanto envelhecido.

Um pouco mais curvado, mais dolorido, mais senil e esburacado, ele se arrastava para a cama para, mais uma vez, dormir e sonhar a vida que se evapora do poço, no coração da montanha.

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