A avestruz é um pássaro com longas patas que vão até o chão, delgado pescoço rosa que chega à cabeça e um traseiro grande que rebola lindas penas brancas. São exímias fundistas quando se abanam com seus braços rendados.
A avestruz é um bombom formoso que adoça os cerrados.
Certa vez, Ana, um desses privilegiados seres, saiu para seu footing matinal. Estava despenteada e desarrumada e cantarolava “Rocket man, rocket man”, arremessando Mimi, sua pelúcia preferida, para o alto. A cabeça nas nuvens e as mãos nos bolsos davam-lhe ares de bailarina emancipada.
Numa esquina, ela cruzou com um amigo que franzia de nervoso, em outra, um anônimo espirrou negros odores, adiante, uma senhora encastelada num penteado paralisante equilibrava seus predicados injetados.
A sensível era dada a profundas introspecções e interrompeu seu passo, cessou as rimas e pôs-se a meditar.
“De que nos serve a vida se pouco nos preocupa a morte na alma de um, a doença do outro, a vaidade de todos? De que nos serve viver sem definhar a cada momento de sobrevida? Sobreviver é uma cantilena de apesares.”
Mas foi curta sua filosofia porque já despontava na sua frente um saltitante transeunte.
– Oi, linda!
– Oi, fofo.
– Tá na paz?
– Pensando na vida.
– Pra quê?
– Bobagens
– Que boa idéia!
Foram seguindo pelas quebradas, tagarelando animadamente sobre as coisas que na vida dão gostosura: quanto por quanto, quem com quem, gasto como gasto. Temas sem gastura.
Dulcílio também não voava, mas como nadava! Vogava nos lagos atarefado: tinha prole para alimentar, roupa pra passar, meias para cerzir, feijão pra refogar. Ele também sabia da guerra que grunhia, do vento que destelhava, dos poemas de todo dia e de sempre. Dulcílio tinha muita graça e muita história para contar. E quando retornava do chafurdo, juntava gente para ouvi-lo.
Foi assim que Dulcílio, o pato, ultrapassou os dois flaneurs e captou suas perorações.
– Quá-quá-quá, quem-quem-quem, gá-gá-gá.
O pato não era versado em assuntos de sociedade, mas tinha lá suas tiradas e soltou alto e bom som: “Depois, o pato sou eu!”. E seguiu caminho.