Coração de legionário

ParaJunior

Criado por avós aristocratas, falava línguas, estudara os clássicos e jogava críquete quando os compromissos filantrópicos o deixavam em paz.

Um belo dia, numa festa regada a muita gargalhada e olhares de raios X ele se recolhera ao bar para refrescar-se das dramaturgias sociais. Estava lá um sujeito que, não estivesse completamente afundado no copo, estaria totalmente deslocado da opereta rega-bofe. Sua elegância rude destacava-se da figuração cheia de atitude que pululava em todo canto. O homem era um legionário, daqueles de palavra e pouca fala, reflexo e pouco cálculo, honra e pouca fé.

As pálpebras murchas do lordezinho desabrocharam nesse dia e ele mudou-se para um país africano, numa zona sombria, onde as leis de sangue valem mais que as de papel. Ele virou um matador sem raça, sem credo, sem escrúpulo nem viadagem. Ninguém nunca mais ouviu falar dele, nem ele de mais ninguém.

Legionário não planeja, age: passados muitos anos, ele naufraga de volta na sua terra.

Assim que atracou no primeiro bordel, já saiu degolando um advogado, um cirurgião e um banqueiro. Logo que encalhou no primeiro bar, tratou de supliciar um ministro, um cardeal e um jogador de futebol. Quando amargou a primeira cadeia, estuprou o capelão, o chefe do tráfico e o emissário dos direitos humanos.

E de colunas de “faits divers” para policial, de policial para comportamento, de comportamento para social, de social para política, sua fama ia galgando escalões.

Tornara-se assunto obrigatório em qualquer roda: de pária para assassino, de assassino para psicopata, de psicopata para excêntrico, de excêntrico para visionário.

Há quem não duvide que ele seria agraciado com o Nobel, não tivesse fatalmente desmaiado com a morte da mãe do Bambi.

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