Como salvar a mídia (e a propaganda)

A mídia está morta. Viva a mídia!

Estamos no futuro porque é muito mais fácil pensar assim.

Há alguns dias, uma crucial reunião decidiu o futuro da mídia, dos autores, dos criadores e de todos os pretensos provedores de conteúdo. Da assinatura do termo resultante, acordou-se que doravante tudo será cobrado. Chega dessa palhaçada de trabalhar de graça. Nem uma linha mais será derramada sem reciprocidade financeira. Nenhum jornal será lido mais de graça na internet, nenhum vídeo baixado ou assistido sem pagar, nenhuma música, nenhuma foto, nenhum game, nenhum outro conteúdo que tenha a mais ingênua pretensão de assim chamar-se vai ser franqueado, barganhado na xepa.

Muitos choraram na reunião que celebrou o acordo. Lágrimas de alívio carregadas de deliciosa vingança. É o troco, depois de anos de lamúrias e penúria. “Vencemos os anarquistas bandidos!”

Mas alguns dias depois, as cabeças decisivas reuniram-se novamente para colocar em prática a mais difícil das equações: como cobrar? O que cobrar? O que será justo e rentável?

A reunião foi uma tragédia. Dizem que alguns chegaram às vias de fato, e algumas mortes foram contabilizadas. É o que dizem, mas ninguém soube de nada porque nenhum leitor quis comprar esse conteúdo.

Flashback. Hoje, a questão que movimenta dez entre dez pessoas de mídia é como resolver a mais apavorante das equações: o conteúdo deve ou não ser gratuito?

Walter Isaacson discursou recentemente sobre o assunto num interessantíssimo artigo. Sua visão é lapidar, precisa, contundente. Em resumo, Isaacson propõe uma saída para a crise com uma simples e desburocratizada cobrança pontual (micro) dos conteúdos desejados. Essa possível solução, para ele, resolveria as perdas de receita dos jornais na ponta “venda de jornal”.

Ainda que essa solução não seja nova e já tenha sido experimentada (de forma fracassada), vale muito a provocação.

No entanto, não basta debruçar-se sobre essa “perna” capenga da receita, assumindo que as demais estão fortes. É tapar o sol com a peneira.

Talvez seja mais pertinente e urgente debruçar-se sobre a outra: a publicidade. Não apenas porque ela é mais importante, mas principalmente porque ela também cambaleia e há mais tempo.

Por outro lado, é tocante a ingenuidade porque as pernas são promiscuamente comunicantes. A questão não é, portanto, resolver partes separadas de receita, mas encarar a questão de face, sem preconceito, sem medo e de forma radical: quem vai pagar o conteúdo produzido? Pois parece que sempre será o cliente do conteúdo, direta ou indiretamente. E é o indireto a mola do sistema: a propaganda.

A propaganda “compra” audiência, e os provedores de conteúdo “vendem” audiência. É essa audiência que paga a conta. Se resolvermos essa perna, o conteúdo poderá ser gratuito sempre.

Ainda que pudéssemos precificar um conteúdo, ainda que pudéssemos nos entender sobre esse preço, quem nos compra tenderá sempre a não querer pagar. Eles também são tão variados, que a conta será ínfima, ridícula, dispensável. Sem falar da enorme dificuldade de criar uma forma de pagamento segura e simples.

Se nossa audiência não quer mais pagar pelo conteúdo – seja porque ele foi dado um dia de graça, seja porque o conteúdo é, e sempre será, mais importante que o autor, a cópia gratuita, portanto, tem exatamente o mesmo valor do original – de que serve remar contra a maré?

Existe muita coisa para ser feita e cobrar “microtaxas” é uma   solução microscópica.

Primeiro fato aterrorizante: as receitas publicitárias talvez estejam também minguando. Ou pior, talvez os anunciantes não estejam muito felizes com os resultados dos seus investimentos.

Segunda tragédia: na gênese desse problema, infinitamente mais relevante para as economias dos provedores de conteúdo e para os próprios pagadores da conta, os anunciantes, está a ineficiência dos formatos de publicidade e da lógica de precificação desses formatos.

Terceiro pavor: os meios digitais, gratuitos, livres, sem controle possível e infinitamente mais poderosos que qualquer outro meio físico vão quebrá-los. E nesse ambiente, só prevalece uma lei: a gratuidade.

Se formos corajosos, uma vez na vida que seja, devemos assumir essas verdades e, se quisermos encontrar uma saída, talvez devêssemos encará-las de forma exagerada, sem meias soluções, sem acochambros.

Na perna da publicidade, a idéia do “micro” talvez seja uma saída muito mais original.

Voltemos ao futuro agora. Lembram da reunião que terminou em sangue e morte?

Pois num outro lugar, um dono de jornal resolveu declinar do convite de participar dessa tragédia anunciada. Ele estava muito ocupado com seus jornalistas e programadores para perder tempo com panacéias jurássicas.

Ele estava lançando o primeiro jornal do mundo a vender publicidade baseada na lógica do micropagamento publicitário. Simplesmente indexou todas as palavras e expressões de seu conteúdo. Todas eram ofertadas a quem pagasse mais por elas. E ele foi mais longe: o leitor que fizesse a busca na sua ferramenta para um conteúdo específico seria imediatamente direcionado para ele, mas uma propaganda iria interromper por alguns instantes esse fluxo. Propaganda essa, paga pelo anunciante que tivesse comprado precisamente aquela palavra ou expressão.

Simples. Muito simples e fácil.

Algumas pequenas regras para ajudar na solução:

– Conteúdo deve ser de graça para o receptor.

– Quem paga a conta são os compradores de audiência, os anunciantes.

– Provedores de conteúdo devem priorizar a busca em detrimento da navegação aleatória, baseada em índices, cadernos, editorias, etc.

– O conteúdo deve ser todo indexado de forma dinâmica e automática.

– A venda de impacto publicitário deve ser feita pela compra desses “indexadores”.

– Leva quem paga mais pela compra dos “indexadores”.

– A propaganda deve interromper o clique da busca e intrometer-se entre ela e o resultado.

– A interrupção deve ser suficiente para impactar sem prejudicar.

– A compra de mídia passa a ser compra de conteúdo, e não mais de espaço.

– E para terminar, valem todas as regras anteriores: liberdade, qualidade, criatividade, pertinência, ética e principalmente, sempre, coragem de se reinventar todos os dias.

Vamos enterrar nossos mortos, rezar por eles, mas sobreviver.

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