Histórias interativas: ai que preguiça!

Em Marrakesh tem uma praça mágica. É uma zona gigantesca, cheia de barraqueiros, amestradores de macacos, encantadores de cobras, ambulantes sinistros, fantasmas que perambulam numa densa fumaça de temperos exóticos. E tem contador de histórias. Muitos. Um deles me atraiu. Ele gesticulava, falava pouco, olhava muito. E fiquei ali, muito tempo, paralisado e enfeitiçado sem entender uma única palavra do que o barbudo contava.

Ontem, a noite era fria e silenciosa. Me larguei na frente do computador, como todo dia, e comecei a chafurdar na Internet. Aqui, ali, de todos os lados. Ao compasso dos cliques, a adrenalina subiu, a ansiedade martelando nas meninges. Me deu náuseas e, apesar da atividade frenética do meu cérebro, me senti profundamente desamparado. Larguei o aparato todo e despenquei no sofá. Liguei a TV no primeiro canal que minhas forças me permitiram ligar. E ali fiquei, muito tempo. Deu um calorzinho gostoso.

Uma história exige linearidade, uma cronologia, um começo, um meio, um fim. Uma história precisa de um narrador (ou mais de um) que tece o fio, passo a passo, segura a atenção. Ele é o foco, o centro. Se uma porta se abrir, se pessoas conversarem ao fundo, se o seu vizinho te cutucar ou roncar, a história desmorona como um castelo de areia. Para que a história fisgue, a relação que se estabelece entre o contador e o ouvinte é de atividade-passividade.

Claro que uma história pode ser interativa. Mas uma interatividade “passiva”, não “intrusiva” e quanto menos “colaborativa”, melhor para a história.

Eu preciso de passividade e atividade, atividade e passividade. Preciso ser e estar. Ser ativamente e estar passivamente.

Quando quero ouvir uma história, ainda prefiro um livro onde a página dois vem depois da um, e a três depois da dois. Ou um filme, uma novela, onde o segundo minuto vem depois do primeiro.

Quando quero uma história, eu quero um contador e quero que ele não conte comigo para fazer o seu trabalho.

0 thoughts on “Histórias interativas: ai que preguiça!

  1. Olá!
    Não concordo muito da sua opinião, mas a respeito. Concordo que toda história necessita de uma cronologia. Porém nem sempre linear. Boas histórias podem ter sua narrativa feita do fim para o começo e depois o meio. Linguagem presente em algumas películas que vemos por ai.
    Para mim (feeling) o senso comum mostra que as pessoas não querem só ouvir histórias, querem fazer parte dela – mesmo que só uma ponta. Sendo contextual e relevante para elas. Assim, colaboração e interação serão reação e não uma ação para startar o que quer que seja.

  2. Fernand,

    Adoro o seu estilo de postcronicas e o enredo que vc imprime.

    Boas historias sao independentes da sua interatividade. Concordo com o Vinicius discordando de voce.

    Bj

  3. E pra quem não quer ir tão longe, tem colecionador de ossos, o sexto sentido que tb tem roteiros bem elaborados (todo mundo já viu 1001 vezes, eu sei).

  4. muito legal, quando a história é boa vale ate pegar um filme pela metade quando ligamos a TV, e ele te fisga . Sem linearidade, e sem interatividade .

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