Quem tem medo da censura?

Muitos confundem democracia com vontade da maioria. O sufrágio do povo grassa com a mesma fertilidade em regimes democráticos quanto em tiranias totalitárias, que, em ambos os casos, legitimam-se graças a ele.

Dizer “vamos decidir democraticamente atendendo a opinião da maioria” é uma falácia, se a frase não for seguida de “e respeitando as minorias”.

Ainda, a ciência é aliada tanto dos déspotas quanto dos regimes democráticos. Em tempos remotos, a ciência comprovava que mulheres eram inaptas, os negros e judeus, raça inferior e os gays, doentes.

Finalmente, a bobagem suprema reside em confundir estado de direito com justiça democrática. Assim como respeitar a lei, infringi-la não tem nada a ver com a democracia.

Isso nos coloca numa enrascada: como então invocar seu santo nome?

Em tempos da liberdade desregulada que a Internet fermenta, a censura é a perversão dos tempos modernos,  o recurso extremo que trai duplamente o pensamento democrático.

Censurar é sobrepor uma vontade escura ou escusa à liberdade de expressão. É uma atitude antidemocrática por definição inquestionável.

No entanto, a censura na Internet é o veneno que mata o feiticeiro porque, ainda que fosse aplicável, é um amplificador da intenção perversa do seu autor.

Recentemente o site de uma agência foi hackeado, substituindo a página de abertura por ofensas, justificadas ou não, pouco importa. Ato contínuo, típico de um mercado que autoexcita sua vaidade na mídia, muitos veículos reproduziram a graça. Ainda que a importância da notícia fosse proporcional à sua irrelevância, muitos manifestaram-se sobre o tema naqueles blogs que incentivam o frenesi participativo. E ficou por isso mesmo, até que a agência em questão – coup de théatre – apelasse e um desses blogs fosse censurado com aparato legal.

Que o blog não tem nenhuma responsabilidade, qualquer rábula poderá atestar. Que os hackers agiram fora da lei, é tão óbvio quanto a improbabilidade de encontrá-los. Que a ação da agência é antidemocrática, é tão certo quanto a propaganda espontânea que ela promoveu.

E a ingenuidade do dono da agência é tão tocante quanto é lamentável sua nova reputação.

0 thoughts on “Quem tem medo da censura?

  1. Eu fui um dos que ajudou a replicar o post inicialmente feito no Pristina. Achei lamentável a atitude do Alex da Ag407, ainda mais por que gosto do trabalho de sua agência e tinha admiração pelo mesmo.
    Realmente uma pena, e como dito no post. Ingenuidade!

  2. Sem falar no Estadão, que está deitando e rolando em cima da censura do Sarney. Hoje a censura vira totalmente contra o feiticeiro, porque podem calar UMA voz, não a internet inteira. E o que deveria virar um angu de caroço, vira uma excelente alavanca pro censurado.

    Belo post!

  3. Demais o texto! Pena o Alex ter tomado tal atitude…pena mesmo.
    Eu te acompanho ateh em Vancouver…gosto mais de vc do que vc gosta de mim!

  4. Para complementar meu comentário, uma frase atribuída pela Wikipedia a John Gilmore: “The Net interprets censorship as damage and routes around it”

  5. Excelente texto, muito bem argumentado.

    “Que o blog não tem nenhuma responsabilidade, qualquer rábula poderá atestar. Que os hackers agiram fora da lei, é tão óbvio quanto a improbabilidade de encontrá-los. Que a ação da agência é antidemocrática, é tão certo quanto a propaganda espontânea que ela promoveu.”

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