Se não cabe em 30, não cabe

Numa aldeia perdida, o velho poeta debatia-se com uma folha em branco. Nenhum comichão, nenhum lampejo e as musas de pijama tomavam chá, displicentes. A constipação era tal que a menor brisa roubava-lhe o olhar, e o cheiro do feijão cozinhando sereno na panela zombava de sua falta de inspiração. Nem mesmo os livros boquiabertos na escrivaninha curavam a modorra indecisa.

Depois de horas desérticas, ele saiu. O andar trôpego lambia o caminho. Uma enorme tempestade armava-se no horizonte, mas ele seguiu, empurrado para frente, decidido a não voltar enquanto durasse o vazio.

Quando começou a chover, já estava longe de casa, arrasado de cansaço. Abrigou-se numa casa abandonada e esqueceu-se do tempo. Impossível voltar sob aquelas condições. Impossível chamar, impossível. Foi então que ele rabiscou. Três linhas, métrica e rima, poucas palavras no que restava de terra seca. Sua última obra prima.

“Doente em viagem
Sonho em secos campos
Ir-me enveredar”

Um sinal fechado para impressionar a garota do carro ao lado, uma única cena para cativar o espectador, um gole de prazer para despertar, um sorriso para apaixonar, 140 caracteres para mudar o mundo, oito palavras num ônibus que passa, 30 segundos para dar vontade de tomar cerveja. A expressividade é caudatária da dificuldade.

A Capela Sistina não cabe entre dois pack shots, nem a “Missa em Si Menor”, nem a “Porta do inferno”. Mas, o intervalo vale o tempo de um xixi, e 30 segundos são uma eternidade para um Hare Baba interrompido.

A exiguidade do espaço é a única arte que se dá na propaganda.

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