Heloisa é uma loba. Ela vai ao supermercado uma vez por semana, fareja ofertas a quilômetros de casa e orgulha-se da caça que mantém a prole sadia. Helô é uma guerreira que se sacrifica pela causa do lar feliz. É uma trabalhadora incansável, criativa e nada é capaz de demove-la de sua função de provedora, nem mesmo o vestido que ela viu correndo no shopping, o corte de cabelo que lambeu na revista, a barriga sarada que sonha em ter. Nem o bonitinho do escritório que lhe faz galanteios, o paraíso a beira mar em 12 vezes, a aula de dança que ela largou adolescente.
– Heloisa, vamos dar uma olhada nesse carrinho? O que você comprou hoje?
– Material de limpeza para deixar a casa tinindo pro aniversário da sogra, o hamburger que o Chico adora, a mochila rosa pra Marília e mais algumas coisas básicas que a família precisa.
– E esse cremezinho aqui?
– Ah, é para o João que tem problemas de pele.
– E esse iogurte diet?
– É a Marília que está fazendo dieta.
– O sutiã meia taça é para ela também?
– Claro, ela já está virando moça.
– O baton?
– Baton? Cadê? Nossa, caiu sem querer.
A propaganda molda culturas, comportamentos. Molda culpas também.
Há décadas que catequizamos as mulheres. Elas são donas de casas valentes que abrem mão da vida pelo bem das promoções e do conforto do lar. A propaganda de varejo é o cânone das instituições politicamente corretas: família, economia doméstica e bem comum. Projeta uma aspiração de seriedade e renúncia que acentua a culpa de se sentir vaidosa, fogosa, perdulária, preguiçosa às vezes.
A culpa de se sentir um ser humano animalzinho cuja sobrevivência depende de boa dose de auto-estima e egoísmo.
Conheço esta inspiração!
A propaganda pode até ser… Mas o PDV é feito sabendo muito bem quem é a principal compradora. Qual é o lugar mais iluminado, azulzinho e longe da peixaria do supermercado?