Coxinha e circo (por Marcelo Nogueira)

Ontem, fui a uma pesquisa. Quali, de animatic, para dar nome e sobrenome, dessas em que a gente testa comerciais antes que eles sejam produzidos. Como criativo, é claro que tenho restrições em relação à pesquisa de animatic, assim como à chuva em feriado e ao gene da calvície, mas são realidades com as quais tenho que aprender a conviver do melhor jeito possível.

Há dois pesos e duas medidas numa pesquisa como a que eu presenciei ontem. De um lado, todas as limitações e distorções de se apresentar uma peça de comunicação inacabada (na verdade, um rascunho) num ambiente extraterrestre e inadequado, e do outro, a pretensão de se reproduzir as condições do mundo real.

Como não contamos com a qualidade técnica de um comercial filmado, mostramos um desenho (mal) animado e pedimos que os pesquisados criem mentalmente um filme, com os atores de sua preferência. Como não podemos reproduzir a naturalidade e o conforto de se assistir um comercial no sofá de casa, batemos um papo com o consumidor na sala de pesquisa, servimos coxinha e contamos piadinhas para ele relaxar. Fazemos o que podemos, mas o fato é que nem estamos mostrando um comercial de verdade e nem o consumidor está no sofá de casa. Sabemos disso, nos conformamos com isso.
Acontece que a forma com que apresentamos este comercial de mentira, para pessoas sentadas em sofás-de-casa de mentira foi bem realista. Elas assistiram uma única vez, em trinta segundos, trinta e pouquinhos, para não ser injusto. Em seguida, pedimos seus vereditos.

Se assistir um desenho animado e tranformá-lo mentalmente num comercial de verdade já é tarefa dificílima, fazer isso em trinta e pouquinhos segundos é para gênios. E quanto mais diferente e criativa a idéia, pior, e quanto mais simples e lugar-comum, melhor, afinal, o filme está sendo montado instantaneamente com o banco-de-imagens-conhecidas das mentes das pessoas.

O resultado é que muita gente ali analisou profundamente algo que não entendeu. Falem o que quiserem, é fato. (Por favor, não evoque a lenda da moderadora-que-sabe-ponderar-tudo-isso).

Essa pesquisa foi assim, outras são de outros jeitos, já acompanhei muitas e não sou um especialista no assunto, mas a minha impressão é que uma coisa se repete com frequência: importamos perfeitamente do mundo real apenas a parte ruim, que sem a compensação da parte boa, passa a ser incrivelmente destrutiva.

E se a gente assumisse que não dá para reproduzir o mundo real numa sala de pesquisa e tentasse apenas extrair a opinião de pessoas sobre idéias expostas de um jeito que elas sejam capazes de entender?

Já que não podemos acabar com chuvas em feriado, genes de calvície e pesquisas de animatic, que pelo menos tenhamos guarda-chuva, máquina zero e um pouco mais de bom senso.

Marcelo Nogueira

8 thoughts on “Coxinha e circo (por Marcelo Nogueira)

  1. Tem um país, acho que é na Europa, que usava nas estratégias de pesquisa para grupo focal (hoje eu não sei se ainda usa) casas. Isso mesmo, casas comuns. As pessoas iam e se sentiam a vontade e depois avaliavam os comerciais e conversavam dpois sobre ele num ambiente bem mais próximo do real.

    Não conhece o método ou os processos para levantar a questão de porque isso não é feito em outros países ou porque não é feito mais, o fato é que é uma idéia.

    O ambiente conta muito sim e se já estamos pedindo que as pessoas imaginem um comercial acabado, pedir para imaginar o sofá de casa é pedir demais, não?

    abs.

  2. Texto interessante… Me solidarizo com o sofrimento de um criativo assistindo um grupo de pesquisa através de um falso espelho.
    Se o ambiente é uma sala ou uma imitação de casa, ao meu ver, não muda nada. Esse ambiente laboratorial transforma os consumidores em expert em propaganda. Afinal de contas, tão servindo comes e bebes, tratando bem, pedindo pra abstrair a qualidade do estimulo (como o autor do texto bem descreveu) e mais, estão colocando toda a responsabilidade da escolha de um propaganda nas costas desses pesquisados. Na maioria dos casos, o pior, é que é exatamente isso que acontece.

  3. Na Inglaterra se faz pesquisa em casas, como você se referiu. Mas aí o resultado é ainda pior. Porque o comercial-rascunho passa num intervalo real, competindo com comerciais produzidos de verdade. Além disso, nessa pesquisa que acontece para alguns projetos na Inglaterra, o consumidor fica com um joystick na mão apontando, segundo a segundo, suas reações sobre o comercial visto.. É, tem gente que realmenta acha que propaganda é uma ciência exata..

    Abs
    Beto

  4. Vivo na Europa e trabalho com propaganda. É muito mais simples do que isso – mostra o animatics e pergunta: O que voce entendeu desse comercial? Não precisa de sofá, nem de muita imaginacão. Se idéia precisa de muita decodificacao, nem a comodidade do lar vai ajudar….

  5. Quando você entrega às mãos do consumidor um animatic apra ele analisar, ele não abstrai. Ele não releva. Ele não imagina os atores que ele gostaria de ver. Ele encana com a trilha (branca), com o desenho (rough), com os movimentos (mal) feitos.

    Quantas e quantas obras só são possíveis (filmes publicitários, livros, quadros, peças de teatro) depois de prontas? Porque o texto final é bom, os atores são bons, as cores usadas são boas (quantos quadros são impossíveis de serem intrepretados nos catálogos?), porque há atmosfera?

    Quantas idéias dessas morreram no animatic?
    Durante anos tive uma produtora de áudio, durante outros tantos trabalhei em algumas outras (das grandes), e, o cliente queria ouvir a peça não finalizada.
    Por cliente de produtora, entenda-se agência, publicitários, com um certo poder de abstração. Quantas vezes pedimos de pés juntos para que o cliente não rejeitasse aquilo que ele tinha ouvido antes da mixagem final, jurávamos que o som seria outro, que teria outro impacto. Muitos aceitaram, muitos não. Dos que aceitaram, ouvi em 90% das vezes “nossa, não é que o som mudou mesmo?”, sem que nenhum instrumento tivesse sido adicionado, apenas a trilha havia sido mixada, equalizada, enfim.

    Se aos criativos nem sempre é possível visualizar a peça pronta (por criativos, entenda-se, profissionais da área), deve ser o consumidor o árbitro do inimaginável?

    (Não invalido as pesquisas, mas os fins nem sempre justificam os meios).

  6. Bravo!
    Deveria ter um pacotinho de bom senso
    que a gente pudesse dar de presente por aí.
    Tá super em falta no mercado.

  7. Faz lembrar a história que me contaram do prédio de um famoso Hospital no Rio, Cópia identica do projeto de um renomado hospital Canadense. Como na região em que o prédio origianl foi construido o termometro chega a marcar 40 negativos aqui no Brasil todo mundo ele além de hospital tbm é considerado panela de presão.

  8. Há anos atrás falsificava pesquisa (89), contagem de votos (82)…hoje a coisa evoluiu…é mais no sapatinho.

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