Propaganda bunda mole

Talvez seja assim em todas as profissões, mas clientes costumam ser o alvo de boa parte das reclamações no confessionário das agências de comunicação.

Tem todo tipo de protestos: incompetência, teimosia, covardia, burrice, lentidão, pão-durismo, vaidade e mais uma penca de epítetos.

Boa parte das críticas são alívios de tensão outras são compensações psicológicas, álibis de nossas próprias fraquezas.

Em alguns casos, no entanto, o cliente é mesmo um pé no saco. E quase sempre, o fornecedor sucumbe, ri amarelo e engole o orgulho ferido. Afinal de contas o cliente paga a conta.

Para justificar secretamente a frustração desvalorizamos a importância do próprio trabalho, da marca, dos consumidores: “não estamos salvando o planeta, é só propaganda”.

Propaganda não é SÓ propaganda e é só colocar-se um pouco na condição dos consumidores que também somos.

Quando a gente sai da cidade, reencontra a noite e o silêncio. Quando a gente sobe a montanha, reencontra o ar. Quando a gente conversa com gente educada, que fala baixo, sem tanto palavrão, reencontra a civilidade.

Quando a gente desliga a televisão, o rádio, o computador, fecha os olhos, reencontra a paz. A propaganda é responsável por boa parte do barulho, da grosseria que polui nossa existência.

E quando a gente vê um bom filme, lê um bom livro, conversa com quem se gosta, reencontra a esperança. A propaganda é responsável por parte da tristeza e da miséria que reduz a nossa vida à de carteiras ambulantes.

A propaganda também financia boa parte daquilo que não é propaganda, da porcaria que vemos, lemos, xingamos. A propaganda é responsável por boa parte da inépcia, do imobilismo que nos transforma em lesmas.

E se tudo isso mexe tanto com a gente, a culpa é do cliente ou só bundamolismo?

9 thoughts on “Propaganda bunda mole

  1. Cara, interessante o seu post.
    Ainda estou tentando assimilar e entender. Você é um cara que, pelo que sei, trabalha como planejador em uma grande agência.
    Tenho seguido vc no twitter e lido alguns posts aqui e tenho visto um certo (e grande) descontentamento. Minha conclusão: esse descontentamento finalmente chegou ao mainstream da propaganda. Ou será que vc é um caso isolado?
    Mas entendo também que o bundamolismo a que vc se refere não é privilégio da propaganda. É um caso generalizado em nossa sociedade. E não vejo forças na propaganda, paga por empresas, para reverter essa situação, infelizmente. Na minha concepção, empresas e até governos (políticos incluídos) são apenas o reflexo ampliado do espírito de nossa época, ou seja, de nós mesmos. É uma merda constatar isso, pq nos deslocamos um pouco da massa e conseguimos enxergar tb a nossa incapacidade de mudar uma coisa tão grande. Como diria Raul: “Melhor seria ter nascido burrro, não sofria tanto”.
    Sinceramente, nós (ou nossos pais) que pregamos e lutamos para quebrar os antigos valores e costumes, agora sentimos falta deles.
    Faltam valores no convívio, faltam valores nas ações das empresas, faltam valores no ambiente de trabalho, faltam valores na comunicação. Falta respeito, gentileza, consideração. Ganhamos muitos gadgets e perdemos tudo isso. Tem volta? Com certeza temos que conseguir construir novos valores. Tem jeito? Espero continuar lendo os seus posts, pois nós sofremos mas às vezes conseguimos mudar um tiquinho, né?

    PS: Sou publicitário e tb considero a propaganda desimportante. Salvar o planeta é. Mas depois q salvarmos, o que será?

    abs
    Márcio

  2. é engraçado, a sensação aqui da Lua, é que todos são cultos e conscientes, e lúcidos. Eu acho todos bunda-moles, ou quase-todos, ou todos, não há ilusão nenhuma, blasé total. Falar de amor e paixão é cafona, dar a vida por uma coisa qquer é estupidez, falta de senso, são todos dandis. e só os dandis geniais poderiam transitar sem surra. Não sei se no ano que chega, serei wu-wei ou zoroastriano.

  3. Fantástico!
    A relação “felicidade x consumo” está é consumindo a pureza, por exemplo quando vende cerveja com base em mulher de biquini.
    Aproveitando a política em alta, o teu “companheiro” Oliveiro Toscani criticava muito esse mundo de fábula vendido pela propaganda, o chamado “mundo dos sonhos”. Estou com ele, e estou com você.
    Parabéns pelo belo e crítico trabalho, é mais do que a hora para rever a que preço estamos vendendo a nossa vida, e quem está comprando.
    Tenho um blog com enfoque cultural, quando tiver um tempo será benvindo: http://blog.factivel.com.br
    Grande abraço,
    Rubens Mendonça

  4. A ordem vigente, o mundo como conhecemos hoje, bebe, come, transa, respira e veste o consumismo. O Santo Graal de cada um está muito bem representado em uma escala de bens de consumo; sucesso é algo como tê-los em grande quantidade.
    A humanidade vive mergulhada em um universo de valores que nasceu com a revolução industrial, e a propaganda não é nada mais que a mola mestra deste processo. Do folheto que dizia inocentemente que o xarope “X” era muuuito bom até os reclame yankee (cortesia do Google) e os anúncios nonsense do Hollywood na neve, todos falam a mesma língua e dizem a mesma coisa: compre. Ninguém é mais vendedor que um diretor de arte. A publicidade sustenta o futebol, o canal de filmes que você gosta, o jornal que você lê, está em 80% de tudo o que você olha diariamente e paga o salário de 9 das 10 pessoas que leram esse comentário, que aliás, estou escrevendo de um Dell que comprei, sem precisar, por um banner de promoção em um site de notícias. Somos assim, compradores natos, de tudo. Basta insistirem quase duas vezes.

  5. Propaganda. Quero que se dane toda essa filosofia. Quero mais é clientes chatos, bonzinhos, amigos, enfim….que invistam nessa “por..” e eu consiga comprar o bom livro, viajar para uma linda montanha, de preferência em um belo e confortável hotel, poder desligar minha nova TV 3d da Sony com 50 polegadas, sair da cidade em um belo carro e surfar as ondas mais distantes e curti essa vida curta.

    Um bom livro – R$ 200/ Uma viagem para Floripa R$ 1.500/ TV 50 pol. LED 3D R$ 10 mil reais/ Hotel em uma montanha “linda com ar puro” R$ 900,00 diária.
    Ter clientes que paguem tudo isso e não enchem o saco, não tem preço!!

    abra

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