Todo pudor será castigado

Se existe um direito humano profundamente debatido nos dias que grassam, é o direito à intimidade.

Mas nesse big-brother em rede e público que habitamos o pudor é qualidade em desuso, quase psicopatia, vide sociopatia.

Milhões de câmeras nos filmam sem prévio consentimento e que diferença faz saber ou crer que as “informações gravadas não serão divulgadas”? Que diferença faz, para o estrito “direito à intimidade”, saber que esse voyeurismo mecânico existe para preservar outro direito fundamental, o direito a vida? É invasão de privacidade passar a mala do raio X, ser filmado na marginal e no caixa eletrônico. O que dizer do scanner de aeroporto ou da fotografia no portão do estádio? Estupro de privacidade.

A intimidade é um valor ultrapassado e não deve ser confundido com desejo de anonimato.

Quem tiver paciência, estômago ou luxúria suficiente,  pode passar a vida penetrando a intimidade das pessoas nas redes sociais. Não se trata de invasão alguma porque os perfis são na maioria públicos e produzidos pelos próprios autores. Intimidade? Quem ainda liga para isso?

Os mais moralistas ou hipócritas podem retrucar que a intimidade é preservada pela máscara, pela criação do personagem público: só escancara-se o que se quer ou seu avatar. Mas é super-estimar sua capacidade criativa. O fluxo constante e vital de interação faz a máscara cair muito rapidamente. Aí está o twitter e sua quimera de estrelato irresistível para revelar a face mais pueril dos seus autores.

O exibicionismo público, agora e doravante democratizado ao extremo, é a nova moral dos homens.

A internet finalmente revogou a intimidade que outrora estabeleceu o sonho impossível da individualidade.

E talvez, para além do desejo de anonimato que esconde os pulsos animais, estejamos construindo uma redentora Gaia humana.

2 thoughts on “Todo pudor será castigado

  1. Acho que, na verdade, todo mundo busca um pouco de admiração dos outros. Ou, ao menos, aprovação. É por isso que ser/estar celebridade está na moda. Se retirarmos toda a vaidade do mundo, não iria sobrar estímulo pra muita coisa.
    Estamos mesmo fazendo isso aqui agora. O post em busca de admiração, o comentário, de aprovação.
    Tem gente que faz tudo por isso. Se expõe demais. Apela. Adota opiniões alheias. Viram papagaio de pirata.
    A internet – somente mais uma manifestação dessa peculiaridade humana – criou o oxímoro-mor: que despontássemos todos juntos para o mesmo anonimato. Alguns são mais anônimos que outros, mas esses são os que têm mais talento e competência.

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