O saudosismo é uma gangrena. Quando a frase começa com “antigamente” ou toda a cadeia semântica que cria eufemismos para “do meu tempo”, prepare se que aí vem choro contido. E sempre que isso começa é uma luta desenfreada de preservação. Saudosismo é sinônimo de reacionário.
O mercado publicitário está sob fogo cruzado. Para muitos visionários, há chuvas e trovoadas no entorno e quando a água chega no tornozelo, saem de rodo em punho para conter a inundação. No desespero, abaixa-se a taxa.
As armas pré-históricas contêm o inimigo entre um temporal e outro. Uma espécie de piscinão. No médio prazo, a lógica: ganhar menos dá em menores salários, menores salários atraem menos inteligência que dão em piores desempenhos. E os rodos vão aumentando de tamanho.
Ao invés de construir diques de contenção, porque já não construímos nossas casas sobre pilotis?
Não encontrou-se nenhuma alternativa satisfatória – e satisfatória significa fartura à altura da bufunfa de antigamente – para remunerar o trabalho de uma agência de propaganda tão boa quanto aquela proporcional ao investimento em mídia.
Inovar não significa quebrar tudo, é também capacidade de adaptação.
Mas o que há por detrás dessa lógica que nossos pais fundadores criaram?
Uma agência só é útil na medida em que é capaz de seduzir pessoas ou consumidores potenciais. Consumidores potenciais são também o que se convencionou chamar de audiência. Uma agência, portanto, serve para perseguir e cativar audiências. E quanto maior ou melhor for essa audiência, melhor. Audiência grande e certa é o que interessa às agências de propaganda. O que significa portanto ser remunerado sobre a mídia? Vamos ser simples: significa ganhar exatamente sobre aquilo para o que uma agência serve, alcançar e cativar audiências, onde alcançar significa “mídia” e “cativar” significa “criação”.
Tem gente que acha que o “alcançar” é função do veículo e não da agência. E por esse raciocínio, acham que o justo seria remunerar o “cativar”. Em tempos de multiplicação de veículos ad infinitum, é ingênuo raciocinar como do tempo em que só existia meia dúzia deles. Tentam pois fórmulas para “pagar” a criação. É contrariar, avacalhar totalmente a lógica da palavra. É mecanizar um ofício cuja origem é sensorial e intuitiva.
Mas o que se apresenta é que não se sabe mais mensurar audiências e essa é a raiz da crise. Não se sabe mais quanto, quando e como foi vista uma mensagem. Não temos mais controle sobre a capacidade que uma mensagem tem, em novos meios, de se multiplicar. E é por isso que se tenta remunerar a mágica criativa, já que a mídia ficou inexata. Se o Picasso levou 100 horas para pintar Guernica e o amigo do meu pai 200 para pintar um girassol, então Picasso vale menos que Seu Germano.
Mas perseguir audiências é o nosso mantra. Então continua lógico ser remunerado sobre isso.
O que precisamos portanto é inventar ou re-inventar um jeito de medir, inferir, chutar, convencionar novas formas de mensurar audiências. Essa deveria ser a nossa idéia fixa e não sacar do rodo. Aproveitar que ainda nos resta alguma mensuração aceitável capaz de subvencionar novas experiências.
A menos, é claro, que se ache que palavra chave no google é propaganda e que boneca inflável é mulher.
“Não encontrou-se nenhuma alternativa satisfatória – e satisfatória significa fartura à altura da bufunfa de antigamente”
Com certeza a bufunfa de antigamente é desejada mas será realmente necessária?
Será que o sobejo vai para o bolso de quem acrescenta inteligência para o produto final?
“Mas o que se apresenta é que não se sabe mais mensurar audiências e essa é a raiz da crise.”
Concordo, e isso é um insight no qual precisamos cavar. Houve nas décadas passadas um grande período de estabilidade no poder das mídias que criou uma certa zona de segurança que permeou agência e cliente. O diretor de Mkt, acuado e temeroso por estar usando dinheiro alheio, se sentia seguro em gastar 5 milhões em um filme no intervalo do jornal nacional. Era um dasafio, uma conquista, a coisa certa a se fazer, e ele dificilmente seria censurado se o conseguisse.
Com a aceleração das mudanças, que não parecem tender à desaceleração, vai ficar cada vez mais difícil retomar esse ambiente e sintonizar as impressões do valor de cada mídia para que o cliente volte a sentir-se seguro. Mas acho que, agora, é para isso que estamos aqui.
Temos bons modelos de boutiques criativas, gringas é claro, que são remuneradas por projetos. Não diria que é um modelo justo, mas é bem viável até o momento em que o Youtube passar a adotar qualquer tipo de remuneração sobre virais comerciais.
A mídia deve sim se adaptar em um momento em que geração de conteúdo e veiculação estão ao alcance de qualquer cidadão que tenha um PC ou um celular.
Certo e ponderado. Chegando agora, profissionalmente, no mundo da Comunicação pela porta da publicidade e da propaganda, já ouvi de uns 3 espertalhões notáveis do marketing de guerrilha, que são remunerados pelo valor-idéia / criação. Entendi, a principio que seria mais pela adequação/execução dessa idéia, que na maioria das vezes (guerrilha) cativa, e nas palavras dos mesmos, conseguem também mensurar parcialmente os caminhos da mensagem seja em velhos, e dos novos (os principais) meios. Inevitável não perceber quais os principais dos novos meios. E mecanizar tal observação e análise, impossível. Não seria ai, a alternativa de novas funções e serviçõs de especialistas?
Fernand,
Ótimo texto! Não sei se concordo totalmente, mas é sempre legal ver gente pensando de forma clara e tentando construir idéias originais.
Tem um ponto especificamente que me chamou atenção: “Tem gente que acha que o “alcançar” é função do veículo e não da agência. E por esse raciocínio, acham que o justo seria remunerar o “cativar”.”
Farei uma provocação. Muita gente, e eu assino embaixo, diz que a comunicação interruptiva está morrendo, que agora as pessoas têm que perseguir a mensagem, e não o contrário. Pois bem, na prática isso significa criar propaganda (ou chame isso do que quiser) cada vez mais próxima de conteúdo (ou chame isso do que quiser). A propaganda não tem que estar entre os blocos de uma novela, ela tem que ser a novela. A propaganda não tem que estar no intervalo de nossas vidas, ela tem que fazer parte delas.
Enfim, seguindo esse raciocínio, que eu assino embaixo, a propaganda, ou a comunicação, ou o trabalho da agência cada vez mais se aproxima do trabalho da mídia, aquela que seria responsável por perseguir os consumidores. Então, se uma emissora de TV ou um estúdio de cinema se preocupa com a audiência, e se agências cada vez mais se aproximam dessas coisas, em última instância agências deveriam sim continuar se preocupam com isso também.
Deu para entender?