Monthly Archives: February 2010

Jesus Marca Registrada

Dizem que os herdeiros do Che nunca aceitaram ou requereram direitos autorais sobre a imagem do barbudo que estampa milhões de peitos, burgueses e proletários, mundo afora. Licenciar uma marca assim teria dado uma dinheirama capaz de financiar muita revolução. Nem os de Bin Laden, se é que ele está morto.

Algumas personalidades públicas podem ser reproduzidas  livremente, sem haver risco de infração. Se alguém tira uma foto do Obama e resolve vender artefatos a partir da exploração essa imagem, ele não deve nada ao presidente. Só existem direitos do fotógrafo, não do fotografado.

Andy Warhol não pagou um tostão de direito autoral dos herdeiros do Lincoln por reproduzir o cara em algumas de suas obras. Nem precisava.

E por falar em barbudos, a arquidiocese do Rio de Janeiro negou autorização de uso da imagem do Cristo Redentor no filme 2012.

Não se trata de uma polêmica. Não é novidade nenhuma que as igrejas se outorguem a propriedade de seus santos e deuses. A católica sempre foi uma Disney competente nessa lucrativa gestão. Mas Jesus copyright é uma coisa bizarra.

Pela licença creative commons da imagem de Cristo!

O consumidor é mentiroso

A comunicação é a mais desafiadora das missões porque é uma impossibilidade humana. Transformar nossos monólogos esforçados em interação é uma quimera. O discurso, por mais elaborado e preciso, e embora intencionalmente dirigido, não passa de um espelho embaçado.

De que adianta perguntar se a resposta é sempre uma mentira descarada?

A gente pergunta “você gosta?” ou “você concorda?”. E eles respondem com uma única vontade: a de passar adiante. O “sim” ou o “não”, quando muito, são circunstancias e passageiros. E quando elaborados, lá vem aquele monte de resposta óbvia.

Sem falar, claro, da nossa formidável capacidade interpretativa de transformar, adulterar e fantasiar as respostas ao sabor das nossas próprias convicções ou intenções.

As pesquisas são isso aí. Queremos que os caras confirmem nossa crença. Não estamos preparados para confissões.

A gente devia observar mais e interrogar menos. Anotar o que se vê, se sente, se intui e descartar o que se diz.

Esse é o único método.

E através da linguagem expressar o que o mundo nos revela.

Concorrências entre agências: a negação do marketing

O cara que inventou a concorrência especulativa de propaganda entre agências tinha alguma coisa em mente. O feliz criador da estratégia, que a história gentilmente apagou de seus registros, talvez até fosse honesto na sua intenção de colocar em competição, em igualdade de condições, empresas, e avaliar tecnicamente a mais adequada para alcançar os objetivos da empresa.

Mas o leite azedou com o tempo.

A aprovação de um aluno numa escola é feita a partir de  uma conjunção de avaliações: suas provas, sua conduta, evolução, convívio, freqüência, etc. A prova não é, nem poderia ser, o “tranchant” decisório. Até porque a convivência do aluno com seu professor interfere (e tem que interferir) na forma de avaliar a prova.

Numa concorrência, diferentemente, a prova decide (ou deveria decidir).

Se acreditamos que um bom trabalho de comunicação resulta da interação inteligente, disciplinada, harmônica e crítica entre uma equipe de marketing e sua agência, uma especulação concorrencial não pode servir mesmo para grande coisa além de agradar processos estúpidos ou vaidades ídem.

O que uma concorrência dessas também dificilmente avalia com a devida importância é o histórico do parceiro. E aqui, não basta simplesmente gostar de um ou vários cases, devidamente preparados para impressionar. Tampouco assistir trabalhos criativos meticulosamente selecionados resolve a questão.

Quem já trabalhou alguma vez numa ou com uma agência de propaganda sabe que o que faz diferença mesmo é o dia-a-dia. A capacidade de conseguir fazer um trabalho competente e eficiente quando o presidente resolveu não gostar da campanha na véspera, apesar de todas as pesquisas. A habilidade de mudar de rumo instantaneamente, quando um maldito concorrente se antecipa. A tenacidade de defender convicções apesar e contra todas as evidências. E pagar ou lucrar com isso.

O trabalho de laboratório, coeteris paribus, que uma concorrência demonstra funciona ou não ali, numa sala de reunião, com muitos sorrisos, salamaleques, simpatias e agrados de circunstância.

Talvez seja por isso que dificilmente um trabalho apresentado numa concorrência vai para a rua. Ele não consegue sobreviver em ambientes adversos, portanto normais.

E quando a agência vencedora de uma concorrência coloca a sua campanha de laboratório na rua, a gente reitera o lugar comum nefasto de que a propaganda é só uma questão de lampejo, pirilampo, criativo.

Consumidor é uma espécie desgraçada

Não é fácil gostar de gente. Os outros são tão diferentes, a comunicação é tão difícil e a compreensão tão vaga que lidar com essa massa de humanos que nos cerca é um  calvário por vezes difícil de suportar.

Só que não temos saída, temos que tentar entender e interagir.

Todas as profissões são espécies de terapias de humanização. Algumas menos, algumas mais. E outras demais.

É o caso do cara de comunicação, do publicitário principalmente. A gente está sempre cheirando o sovaco das pessoas e sem nenhuma capacidade de avisar que elas “nos” fedem.

Só podemos observar, e por sobre a constatação – ingrata, dolorosa, injusta, revoltante, decepcionante, abjeta ou no máximo medíocre – achar um jeito de falar com a  turba.

Para facilitar a nossa vida, tem um jeito de conhecê-los mais asséptico, menos comprometedor e livre de contaminações perigosas: as pesquisas que basicamente encarceram esses nossos insuportáveis semelhantes em questionários. Ou então a gente vai se esconder atrás de uma sala de espelho ou do coitado do entrevistador/ moderador (esse daí tem um carma monumental a pagar para ter que suportar essa confrontação diária). Dá um certo alívio, claro.

Apesar de quase inútil – porque a gente nunca se conforma com a baixeza da espécie – esse tipo de pesquisa serve pelo menos para reafirmar a nossa superioridade semi-divina.

O cinismo também é uma defesa. Mas às vezes, é bom despir-se dele.

Por exemplo para dizer que essa maneira de pesquisar é preconceituosa e covarde. Que só tem um verdadeiro jeito de fazer algo que preste nessa nossa profissãozinha: aprender a gostar dos consumidores, conviver com os caras, olhar no olho deles, tocá-los, cheirá-los. Mesmo que eles fedam, como todos nós.

Ah, mas isso é só marketing!

O cinema que, das artes, é a mais comercial de todas, tem muito que aprender com a gente. Quando muito, fazem lá uns testes de platéia com público “de verdade”. No máximo, fazem uns cortes ou então mandam o diretor colocar uma voz em off para explicar o roteiro. Primitivos, diríamos.

Nós, para míseros 30 segundos, fazemos qualitativas diversas, pré-testes quantitativos com desenhinhos ou filmes prontos, mudamos tudo, colocamos a história de perna pro ar, cortamos sem cerimônia, acrescentamos uma pitada de brand, outra de intenção de compra, e mais uma de lembrança de posicionamento e stopping power. Uma ciência infalível. Temos grana, então dá até para jogar tudo fora e começar de novo. Temos tempo porque planejamos o natal no carnaval, mesmo que o papai Noel venha magrinho ou perdulário.

E a gente dá sempre certo no final porque os resultados dos pós teste, a gente sabe usar a nosso favor: dá-se um copy-paste de prestidigitação na apresentação. Se não rolou o índice certo, a gente mostra o outro, ou inventa um tsunami imprevisível, ou os responsáveis somem do mapa e a culpa era deles.

Do lado do consumidor, sua apreciação daquilo que para nós é tão preciso se resume num entusiasta “ah, é só marketing!”.

A frase é carregada de sentidos. Pode significar aquilo que nós chamamos de “licença publicitária”, ou seja, é o exagero que qualquer mentira bem contada comporta justamente porque é mentira.

Tem também um outro, que é uma espécie de depreciação raivosa: “é marketing dos caras, não dá para acreditar!”.

Finalmente também pode ser seguido de um gesto de “deixa pra lá”.

Mas às vezes o cara se diverte de verdade, comenta, espalha. Essa é a boa propaganda que não é “só marketing”.

É aquela que está no youtube, sem cortes nem enxertos científicos. A propaganda que deixou todas as pesquisas mutiladoras no power-point.

Story telling ou Audience builder?

Os career climbers adoram que seja em inglês, a língua dos arrivistas. Mas intriga um novo cargo muito em voga, os STEO (Story Teller Executive Officer).

O que diabos faz um cara desses?

A Sheerazade foi contratada para contar histórias pra boi dormir pro sultão insone. Ela tinha uma função soporífera, mas acredito que esses executivos aí não queiram adormecer ninguém. Eles vieram com tudo e fazem muita prosa e prosopopéia.

Em síntese, o que se quer é ensinar o criativo de qualquer segmento que uma boa história cativa mais do que relatos jurídicos, técnicos, mercadológicos. Tem outras sofisticações (transversalidade dos meios por exemplo) mas isso é complicado demais para um post fugaz.

Para quem já produzia conteúdo, não tem absolutamente nenhuma novidade. Tampouco para uma agência de propaganda (menos aquelas que fazem balanços, classificados, mentiras políticas e polimento de egos).

Mas talvez seja a hora desse cara aí inventar uma outra sigla, muito mais nova, tendência total. O novo hit dos power points: o ABEO (Audience Builder Executive Officer). Vai ser um rastro de pólvora no mercado publicitário. Um frisson.

O ABEO é o cara que inventa um jeito para que a história contamine mais e mais pessoas, o cara que rema na maré e contra ela. O sujeito que inventa história para que ela se dissemine como refrão de marchinha de carnaval.

Mas como qualquer babalorixá que se preze sabe, uma tendência não substitui a outra: os STEO catequizam os incautos burocratas e os ABEO pegam de jeito os deuses glamorosos do Olímpo criativo.

Vamos nessa que os búzios nos chamam.

Se eu não pegar esse trem que parte agora

Quem não anda atolado por novidades virtuais bom sujeito não é. É tanta coisa para conhecer, experimentar, ter opinião. Esse medinho na barriga de não saber o que está rolando é um dínamo e um veneno.

Vivemos da crença de que tudo, tudo vezes tudo, pode ser resolvido online. Relações, compras, experiências, sexo, fama, dá para fazer online. Essa fé é corroborada pelo discurso positivista do progresso inevitável: só a tecnologia salva.

Profetas apocalíptico já anunciavam o fim da humanidade. A velocidade dos intercâmbios beira a impossível velocidade da luz. E bang! Uma dia a casa cai.

Antes, quando a Internet ainda era difícil ou improvável, o mundo das máscaras, da fugacidade, da fantasia científica, o virtual era uma espécie de compensação psicológica. Mesmo que imaginado mais do que experimentado, era a fronteira que redimiria a nossa pequenez.

Mas virou o jogo. Ou tá virando e quase tudo dá. Se não dá para mim, já dá para outros e já já eu pego o bonde.

Qual será nossa nova compensação existencial? Não seria o real, o de verdade, o tátil, o visto, o engolido, o cheirado?

Quanto mais virtual nos tornarmos, mais precisaremos do real. Quanto mais online forem as coisas, mais o offline será irresistível.

A frustração dos consultores de imagem

Se é um pouco frustrante trabalhar com planejamento em uma agência de propaganda, difícil imaginar como deve ser difícil a vida de um consultor.

O planejador é um teórico, cria raciocínios abstratos, inventa construções ou sugere referências a partir de indícios pesquisados. Como ele não tem laboratório, suas experiências são sempre hipotéticas, inferidas ou intuídas.

A realização dá-se através do talento de outro, muitas vezes de forma difusa e quase sempre sem muita glória.

Mas vá lá que ele reconhece no que vai pra rua, quando é bom – ou acha que reconhece ou acha que é bom – uma centelha de seu trabalho, um átomo criativo, um cheirinho de “fui eu que fiz”.

Mas e quando planeja-se em uma torre de marfim, distante da oficina? Quando cria-se o raciocínio, entrega-se o relatório e dá-se as costas (quando muito concedendo um aconselhamento distante)?

Pelo menos o primeiro, que trabalha numa agência, divide o mesmo espaço de quem está em campo, vibra por osmose. Com a camisa de torcedor, sente-se parte do jogo.

O outro, o consultor “externo” é um general sem exército, um arquiteto sem obra, um terapeuta sem paciente, uma Norma Desmond sem mordomo para inventar as cartas dos fãs.

Ou na melhor das hipóteses, um engenheiro de obra pronta.

Porque a Globo ainda paga salário pra famoso?

Sábado, Jornal Nacional.

Praticamente na sequência, desfilam comerciais da Fiat, GM e Ford. Logo depois vem um da NET. Em comum, todos traziam alguém famoso. Era Big Brother, Pedro Cardoso, Maria Fernanda e Claudia Leite. Depois veio um da TIM, com o Thiago Lacerda.

Curioso, coloquei reparo nos breaks seguintes, e a lista de famosos seguiu aumentando. Tem o Raul Gil vendendo geladeira, a Grazi usando xampu nacional, e todos os atletas abrindo conta no Banco do Brasil.

Sempre achei que usar alguém famoso era um atalho perigoso para uma marca. Se por um lado consegue awarness fácil, pegando carona na fama do famoso, por outro lado fica muito difícil escutar o que a marca tem a dizer, o que a marca significa, e o que ela é, quando se separa daquele famoso.

E o esquema se complica na medida que o famoso é muito famoso, porque aí ele passa a emprestar seu awareness para várias marcas, e cada uma delas compra só um pedacinho indefinido. Qual é mesmo aquela marca da Juliana Paes? E aquela outra do Luciano Huck?

Já faz algum tempo que entendi que estamos vivendo a Era de Caras. Mas agora a coisa fugiu do controle.

Como tem muita marca grande e agência bacana se utilizando desse artifício, fico pensando o que os leva a tal. Pesquisa não falta. Defendendo e condenando o uso. Então corta-corta.

Parece que falta um pouco de bom senso. Usar famosinho e musiquinha é apostar na formulinha segura, no confortável, no risco baixo. É deixar o chefe e a esposa felizes, garantir pirâmides coloridas no pré teste e quem sabe até levar a sobrinha naquela filmagem do Rodrigo Santoro.

E falta ousadia também. Pra apostar no que é novo de verdade, pra descobrir o que a marca tem realmente a dizer (dá um trabalho) e pra desenvolver o que o produto tem a entregar de relevante.

Quando fazem esse dever de casa, as marcas conseguem utilizar os famosos como alto-falante. Algumas até tiram sarro dos famosos e divertem o espectador. E na hora da próxima campanha, ficam livres para não usar aquele famoso, ou usar outro, sei lá. Porque tem algo a dizer, que independe de quem vai dizer.

Mas é ano de Copa. Se preparem que Kaká, Robinho e os Ronaldos vem por aí.

André Gustavo

Em recente pesquisa, no qual tentava-se encontrar o atributo mais sedutor de uma peça publicitária, os quase 3 mil entrevistados disseram não ligar a mínima para a presença de celebridades em propaganda. Tampouco ligavam para trilhas marcantes ou famosas.

Para a maioria, os fatores mais importantes eram ser criativa (para 37% das pessoas), ser informativa (25%), engraçada (22%). Ter gente famosa só alcança 7% da preferência e música famosa 5%.

Ainda que a gente possa concordar que os fatores não são assim tão fáceis de isolar (uma celebridade pode cantar fazendo graça, ou declamar as qualidades de uma marca com voz de choro), a presença de um galã ou bonitona, de coroas distintos, super novas ou estrelas cadentes, não é condição de sucesso, nem recall, brand linkage e muito menos retenção da mensagem.

Mas ninguém tá nem aí e a propaganda é a bolsa família dos famosos. Em meia horinha de trejeitos reiterando os personagens famosos (da novela, do show de auditório, do campo de futebol ou da histeria do reality) o dinheiro pinga, sem muita comprovação de talento, esforço ou experiência.

Para quem cria e para quem aprova é uma maravilha. De sobra, gargareja-se intimidade com o famoso, arranca-se um autógrafo pro filhão e outorga-se o título de empregador poderoso.

Para quem assiste é uma desfile enfadonho e repetitivo porque o único predicado desejado (e explorado) da celebridade é precisamente sua reputação. Não há dramaturgia e pouca ou tosca produção.

E assim move-se o star system, inspiração confortável da propaganda preguiçosa.

Fernand Alphen

A conectividade é mais potencial do que real

Costumamos professar o novo paradigma desses nossos tempos: o olho foi para o dedo. Consumir informação e conteúdo é ato voluntário e volúvel ao extremo.

A recitação do mantra libertário nos leva a concluir precipitadamente que a imersão é completa e absoluta, mas se um terço dos brasileiros tem acesso à Internet, isso não significa, no entanto, muita coisa além de uma tendência, uma perspectiva, uma esperança.

As estatísticas são vagas, mas esse contingente colossal, na sua enorme maioria, continua comportando-se exatamente como a Dona Maria que assiste TV enquanto passa uma pilha de roupas: a atividade ainda é esporádica. Não ultrapassa em cliques no teclado, aqueles dados no controle remoto.

Os que barbarizam abrindo tab sobre tab no browser enquanto fuxicam em comunicadores instantâneos, espalhafatam em perfis sociais e compram chocolate em Paris sem sair da poltrona, ainda são poucos. Aqueles que copiam e colam, mushapeiam e produzem conteúdo, menos ainda.

Tendemos a acreditar que o sujeito que assiste um comercial no Youtube, se linka nele, posta nos blogs, twitta pra lá e pra cá aquele brilhante conteúdo publicitário “integrado” em todas as pretensiosas estratégias de redes sociais que criamos. É desconhecer demais a volatilidade das audiências.

Se convém ser abrangente e cobrir variadas plataformas, é boba a ilusão de achar que cada iniciativa vai suportar, incentivar, inflar e torcer pela outra. Esse tipo de raciocínio além de suscitar expectativas equivocadas, leva também a sub-utilizar cada iniciativa individual: a soma de muita coisa “mais ou menos” não significa que o total vai ser muito bom.

Por essas e outras, a maioria das estratégias on-line é muito boa como estratégia e muito ruim no resultado, porque a gente fica achando, sempre, que o povo está muito mais conectado do que realmente está, deseja estar e jamais estará.

Propaganda é um exercício de estilo

Raymond Queneau escreveu um livro chamado “exercício de estilo”, em 1947, que contava a história de um jovem com longo pescoço, portando um chapéu decorado com uma trança. Ao entrar no ônibus, o personagem troca algumas palavras rudes com outro passageiro. Mais tarde, o narrador encontra novamente o sujeito do ônibus que está discutindo com um amigo que lhe aconselha fechar o botão superior de seu casaco.

A história, prosaica, no entanto é desenvolvida em 99 estilos diferentes ao longo das páginas. O exercício é tão rigoroso que não se tratam de interpretações da mesma história, que tentariam por exemplo dar explicações diferentes para o fato (o personagem teria sido zombado pelo passageiro do ônibus por causa do seu pescoço girafesco? Ou teria sido a sua trança exótica que excitou a curiosidade?).

Todos os 99 textos têm idênticos roteiros e suscitam as mesmas indagações. Mas eles são deliciosamente diferentes. E os estilos – e só os estilos – apesar de serem formas, revelam sim ao leitor interpretações muito distintas. O estilo é o único vetor de interpretação, o catalisador da história que não está traçada nas linhas mas delas emana misteriosamente.

Na literatura, a intenção do autor encontra-se muito menos na história contada e mais no estilo que sugere as interpretações do leitor.

O domínio do estilo é a única arte que importa. O domínio da forma de contar é que irá transferir intenção à mensagem.

Embora nem sempre haja intenção deliberada e consciente em uma obra artística, a propaganda é sempre premeditada. E é simples, cristalina, e objetiva essa intenção.

O criativo escreve histórias mas ele se transforma em publicitário quando domina os estilos portadores da intenção (sim, aquela do briefing), diversos e infinitos, mas sempre precisos.

Em tempo, não se pesquisa estilo em pré teste publicitário. E não se pesquisa porque não dá, simplesmente não dá. Morte aos pré-testes!

Cow Parade útil

A gente anda com muita mudança climática, e tomara que ela seja psicológica. Tomara que a chuva, a neve e o terremoto, o mensalão, o arrastão e mengão, tudo de ruim seja só impressão.

Mas tem profeta de sobra no mundo e, na pressa de encontrar um post ao sol, andaram dizendo que o pum das vacas é ruim. Bom não deve ser, mas daí a culpar as coitadinhas pela inundação do jardim Pantanal (sic) e inocentar o prefeito azarado, o pecuarista ganancioso, as instituições frouxas, os políticos malandros e o santo chuvoso, é demais.

A vaca é a fábrica de proteína mais eficiente da história da evolução. A soja precisa tomar muita sopa para chegar lá. E comer atum e outros peixinhos, vá lá que é gostoso, mas o feioso tem a sorte de não ser fiscalizado pelo Ibama.

Os bovinos deveriam fazer uma manifestação pública de desagravo, desfilar na rua, acorrentarem-se nas churrascarias ou fazer greve de abatedouro e ordenhador. O filhote sem leitinho, o marmanjo sem hamburger, já imaginou?

Mas as gorduchas são pacíficas e ruminam sua tristeza olhando o trem passar.

Então, sugiro uma cow parade mais útil do que esses outdoors, esses porta-logotipos, esse marketing disfarçado de arte que vemos por aí. Feio, sujo e ordinário.

Uma cow-parade pela causa das peidonas inocentes!

A audiência escapa pelo dedão do pé

Até bem pouco atrás, a gente ia lá no software e perguntava “ó, augusto oráculo, como é que se cobre essa gente toda?” E as planilhas cuspiam números. Com douta inteligência e paciente aplicação, otimizava-se a grana sem muito erro. E se as previsões furavam, a culpa era da porcaria que o anunciante aprovou, do lixo que a agência criou e da burrice imprevisível dos consumidores.

A audiência era dada.

Hoje, a pitonisa está esclerosada, o software ficou um pouco lento e bem defasado. Não conseguimos mais alimentar tantas variáveis nem tampouco apurar os malditos consumidores que assistem TV na internet, lêem jornal no computador, revistas nos blogs que as chupam sem nenhum arrependimento, cinema no celular, e tudo o mais no Youtube-o-raio-que-o-parta. E o grande irmão que define quem vai ver o que é o Google, maldito seja. Sem falar que os sem-vergonha dos consumidores espalhafatam tudo a torto e a direito, sem avisar ninguém.

A audiência virou adivinhação.

Então, enquanto nenhuma vestal matemática se habilita, enquanto a gente não acha um jeito simples e seguro de calcular com quanta gente se alcança um objetivo de comunicação, só nos resta concentrar-se na mensagem. Já que é tudo meio chute mesmo, aposentam-se as planilhas, as pesquisas, os dados do passado.

Viramos (ou viraremos) fábricas de audiência e essa coragem aí, de acreditar que a mensagem que criamos é capaz de quebrar tudo de forma imprevisível – pro bem e pro mal –  é o novo talento dos anunciantes.

Aposentem-se os estatísticos, é a vez e a hora dos criativos, de todas as laias.