O caipira leva no papo

Ele era um homem de valor. Daqueles que a gente admira.

Sua fala era direta, sem salamaleques. Ele avisava sempre “olha, gente, eu sou assim, falo o que penso”, eram sem refinamento as suas maneiras: “me perdoem, eu sou simples”, sem cerimônia suas invectivas: “seu bando de merda” e portentosa sua conta bancária, conquistada no suor do bisavô mascate.

Mas o que realmente encantava, deixava os janotas embevecidos, era o sotaque. Caipira de mascar cigarro de palha, bugre de mãos calejadas e dentadura de segunda mão. Falava arrastado, engolindo as sílabas finais, temperando o discurso com barrocas expressões. Todos babavam com esse Riobaldo com crédito até nos estrangeiros.

E como ele sabia! Seu pai dizia “filho, nunca esqueça, suas raízes estão aqui e enquanto permanecerem bem enterradinhas nessa roça, você vai dar nó em todo mundo”, enquanto sorvia seu Darjeeling Harney and Sons em compassados goles.

Era assim desde que o pai fora estudar no Sul. A escola era uma oligarquia de pó de arroz. Todo mundo mangava de sua roupa de linho engomada, tão démodée, coitado. Aprendera os modos e fora para a Europa. Apesar de treinado, por lá, o regionalismo virava exotismo. Mas nas temporadas de Gstaad, ele levava as loiras no papo e no bolso.

Quando o pai voltou para o fim do mundo, naquela terra longínqua, aquele cabrobó de dá dó, continuou assim, cultivando o jeito simplório pra inglês ver enquanto passeava sua Bentley no canavial.

De vô pra pai pra filho até que um dia nasce um príncipe encantado que põe tudo pra danar.

Quem preserva o sotaque leva no papo quem mija pra trás.

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