Identidade nas nuvens

Riobaldo tomou um trem na Central e cochilou. O tempo, suspenso, endureceu até a parada, aleatória. De pé na estação, ele dirigiu-se, autômato com os braços dormentes, até a saída.

Muita gente ia e vinha. Pessoas sem pressa, com pressa, sem pressa, com pressa. Na rua, Riobaldo trombava, corria, tropeçava, sacudia-se.

Numa banca, ele refugiou-se para olhar o relógio, o celular, a carteira no bolso. “Tem tempo, ainda não tocou o despertador, o dinheiro está aqui”.

Uma mulher, oriental, aproximou-se, sorridente. Um homem, oriental, cutucou-lhe o sobretudo. Um velho, oriental, fazia algazarra batendo uma gamela no chão.

Riobaldo abalou-se pela rua, oriental pros lados, pra cima, pra baixo. O compromisso, seu compromisso de emprego, a entrevista final, ele não estava atrasado. Só um pouco perdido naquela china.

Um guarda, oriental, cochilava.

– Onde fica a rua do passeio, por favor?
– Nem fum, respondia com o olhar, oriental.

Riobaldo não entendia as placas, nem nada. “Meu pai! Que merda é essa?” Riobaldo tomara o trem na Central, cochilou e saltou às margens do Rio Amarelo.

Um locutório que ele adivinhou aceitou seu cartão.

Aboletou-se e descarregou suas nuvens. Seus exames de antigamente, seus treinamentos, suas referências em rede, curriculos, depoimentos gravados de colegas, ex-chefes ao vivo para uma eventualidade, tudo, e entrou na sala na hora marcada.

Fizeram perguntas cabeludas, testes esquisitos, mas foram com a cara dele. Olharam a des-papelada toda. Conferiram as habilidades.  “O cargo é seu, Riobaldo”.

O emprego é bom: o chefe é uma máquina, a paga é boa e se  trabalha quando quer, de casa, onde quer que se more, até da Conchichina.

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