Mamãe, eu faço power-point

Infeliz aquele que inventou que uma agência de propaganda deveria ter especialistas em planejamento de comunicação ou marca ou sei lá mais o quê.

Não poderia haver palavrão mais inadequado para a “desordem dos sentidos” que povoa qualquer ambiente minimamente criativo.

O planejamento, no entanto, foi encontrando sua utilidade e suas cartas de nobrezas, mesmo que ele nem sempre faça o que o nome indica.

Ou seja?

Tese:

Existe um adágio recorrente, pronunciado com humores sábios pelas metralhadoras de clichês: “Não é o power-point que vai para o ar”. E, como pasto pisado não engorda, a gente reage e faz um planejamento “criativo”, que é esta tentativa charmosa de descabelar o tecnicismo.

Noite de amor sem carícia é abate, e os dois tipos de planejamento não passam de prolegómenos, com sedutoras promessas no primeiro e frissons compensatórios no segundo. Barroquismos à parte, o planejamento crivado de pesquisas é uma engenhoca pseudocientífica; o planejamento florido com insights psicanalíticos é a propaganda da propaganda.

Se não passamos de obreiros de um lado ou mestres de cerimônia do outro, o planejamento de comunicação não passa de uma encenação que só depende da performance dos atores para cumprir tabela com maestria. É fácil.

Mas, se o trabalho de planejamento é azeitar as interfaces de uma agência de comunicação, ele não pode ser uma vaselina para que o trabalho escorregue melhor goela abaixo do cliente.

Planejar é a arte do possível.

O cliente, qualquer que seja seu perfil, suas polices e suas vaidades, por definição, irá sempre querer muito: muitos resultados e múltiplas proposições. É do planejamento o compromisso de elencá-las.

A criação, tanto as mais rasteiras quanto e as mais etéreas, rejeitam, por formação, e as ambições do cliente e os insights que vêm da rua. É do planejamento o desafio de tornar o briefing simultaneamente pragmático e curioso.

A mídia, até a nossa aqui, que é ótima, fica naquele equilibrismo entre a rentabilidade do cliente e a do negócio, entre o pântano de números e o lampejo rompedor. É do planejamento a afinação de dar o lá.

Mas tudo isso também é fácil.

Antítese:

Difícil é só uma coisa: encontrar uma definição para o que a gente faz. Ou acha que faz. Tanto faz.

Tem milhões por aí e um outro tanto de modelos. Mas, no fundo no fundo no fundo, o que a gente faz é um power-point (ou qualquer outro eufemismo de power-point que a gente use para dourar a pílula) e propaganda da propaganda (ou todos os trejeitos intelectualoides que a gente cacareja).

O planejamento só presta mesmo quando consegue colocar no ar (na rua e no vácuo digital) a prosopopeia da sala de reunião.

O consumidor se envolve muito mais quando saca ou sente a intenção por trás do discurso. E é a intenção que está no power-point. Já se foi o tempo, medieval, em que o grito e a repetição davam conta do recado. As pessoas não caem mais no truque do GRP acéfalo. Mas, quando a gente para de mascarar as boas intenções de opereta (compre que vai ser mais eficiente, mais barato, mais saudável…) e tem alguma sinceridade nos argumentos (aqui estamos nós para fazer você se divertir, se emocionar, se envolver…), o power-point, que vai para as mídias, funciona.

E o cliente, nosso cliente, chato de galocha ou amigão do peito, só quer mesmo é entender, te acompanhar, te apoiar. Ele quer saber, no fim das contas, como é que ele vai convencer quem ele tem que convencer (o chefe, os chefes, o laboratório de lobotomia, o método). Por isso, ele precisa saber como é que a gente faz propaganda, dessa propaganda aí pela qual ele vibra o tempo todo.

Síntese:

O bom planejamento, aquele, único, que deve ser feito, é aquele que revela e antecipa.

Revelação é quando a gente sabe observar. Só isso. Pouco importa a metodologia. Revelação é nossa matéria prima.

Antecipação é quando a gente prevê o que vai acontecer depois, depois de colocar no ar (na rua e no vácuo digital) o que construímos da argila revelada.

Assim, o planejamento só pode mesmo é torcer, da geral, por aquilo que o inspirou a abrir os trabalhos. Torcer pelo power-point que o consumidor vai devolver como só ele sabe: aderindo às marcas e comprando os produtos.

A fé no power-point é que faz o planejamento dosar as promessas e também os floreios, rodeios e salamaleques poéticos.

Planejar é o sonho do possível.

(Publicado originalmente no Jornal Meio & Mensagem, edição de 03/10/2010)

13 thoughts on “Mamãe, eu faço power-point

  1. Já tem um tempo que acompanho o blog, mas esse post faço questão de comentar (ou aplaudir). Muito se critica os “power-points”, mas afinal nosso trabalho é “a propaganda da propaganda…” como vc bem disse. Ninguém toma remédio pelo seu sabor, mas sim pelo resultado; porém qndo tem corzinha de morango agente prefere, não é?

    Prabéns, não só por este texto, mas por sim por todos os outros inspiradores.

    abs!

  2. Na verdade, o que o cliente compra é o ppt. Porque é isso que ele vai usar pra apresentar pras diretorias, ou para os gringos, se vangloriando do que tem feito. 100% a favor de pílulas douradas.

  3. Um meta texto, ok. Dispensável mas vá lá; só não entendi o ponto. E, pelo que li nos comentários, ninguém que comentou entendeu também, só gostou de uma ou outra frase de efeito e resolveu papagaiar.

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