iPad ou a arte do vazio

A maior mentira do milênio é acreditar que a tecnologia é uma mola do progresso.

Desde que ela saiu dos escaninhos, tomou marca e mercado, uma espécie de parnasianismo troncho nos empossou. E, assim, o desejo de transpor fronteiras e cercar-se de potencialidades materializadas por próteses tecnológicas tornou-se irresistível.

Passamos a querer e possuir o inimaginável, o ainda não sonhado. E o encanto dura até que o mistério dos recursos anunciados seja desvendado ou desmascarado. O valor do produto é diretamente proporcional às suas promessas. Quando elas caem por terra, o charme é quebrado. Até a próxima novidade.

Cercamo-nos de sucata em gestação, cada vez mais efêmera, cada vez mais vazia. O nome do bicho hoje é o e-reader, mas daqui a pouco será outra belezura ainda mais cheia de juras.

Então cá estamos nessa situaçãozinha ridícula.

– Funcional significa algo que não sei como usar e que provavelmente nunca vou aprender. E, se aprender, deixará de ser “funcional.

– Beleza – ou uma palavra mais in: design – significa funcionalidade. Portanto, quanto mais “funcional” for uma coisa, mais bela ela será.

– E, no limite, desejamos belas potencialidades vazias.

Assim, o livro vazio, sem uma linha escrita, o disco sem a mais tímida melodia, a partitura sem nota, sem ideia nem forma, ganha valor. E quanto maior a possibilidade de TUDO, quanto maior o NADA, mais valor.

Se tecnologia é sinônimo de progresso, de que progresso estamos falando?

Os Lusíadas valem nada perto de um iPad virgem.

6 thoughts on “iPad ou a arte do vazio

  1. Caro Fernand,

    Na medida do possível procuro acompanhar suas idéias e pensamentos distribuídos pela web. Gosto do jeito provocativo dos seus textos e artigos; além do mais, parto do princípio que perspectivas diferentes são imprescindíveis para alavancar o conhecimento.

    Agora, uma pergunta : você é sempre do contra ?

    abs

    1. Aqui, quase sempre. Já tem muita gente a favor de tudo e de qualquer coisa, c não acha?

  2. E o pior que por hora não há coisa qualquer que mude a levada. uma espécie de virus da respiração curta. Afobados, e num exagero, abobados. O iphone é preciso, o ipad, o ipod é sim ou não, com pilha ou sem pilha. Nada funciona neles dependendo do contexto, do ambiente. Mas nós não. esse tempo de sim e não, o tempo todo, não sei, nos faz tiramos contra nós mesmos. E o que será que há, o que será que se desenvolverá até transformar a era da tecnologia numa próxima?

  3. mas não acontece nada forte o suficiente p que se perceba alguma evolução com significado. Um exemplo simples, e óbvio: se as pessoas todas decidissem que não mais tolerariam o analfabetismo brasileiro, se virasse ordem do dia, uma unanimidade, como o iphone, em 20 anos seríamos franceses nas letras. Mas longe disso. Setembro de 2008. Achei que alguma coisa iria acontecer, não era possivel, o escândalo daquela ganancia medonha, falcatruas, aquele egoismo barato, uma insensibilidade assutadora, refletiríamos…, uma pausa…, discutiríamos…quem sabe alguma mudança de espírito… Nada. Zerinho. Um ano e meio depois, a Channel bate recordes por aí. Tropeçamos, mas não havia nada para se almejar no lugar. Nem tempo para isso. Não é possivel, nem admissivel, nem sustentável. Acho que por este lado não tem porta.

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