Cultura oferecida

É quase impossível driblar o malho em qualquer evento cultural hoje. Se é para beneficiar-se de incentivos fiscais, para aliviar a  consciência atormentada, obter retorno de imagem ou gosto, não importa: tem grana de marca sendo investido. É bom e a gente gosta.

Se de um lado, os produtores estão mais abertos com as incursões comercias, os investidores estão cada vez mais ousados. E no limite, uma prosmiscuidade constrangedora ocorre.

Tudo bem se vivemos uma espécie de euforia, tudo bem se “cultura é hype” (sic), tudo certo, daqui a pouco tudo se acomoda.

Mas quando as manifestações culturais, de qualquer tipo, inclusive as muito populares, as muito eruditas, as muito vanguardistas, viram plataforma de mídia, isso incomoda.

O televisor de plasma na entrada, na saída, no mictório, é a praga mais recente. Mas tem também os quiosques sorridentes distribuindo brindes com trocadilhos infames e quando o João Doria resolver “investir em cultura” (sic), o audio guide vai ser patrocinado por uma concessionária de estradas, as plaquinhas indicativas por uma siderúrgica, a moldura por um fabricante de esquadrias, a iluminação vai ter intervalo comercial antes de acender e o papel higiênico vai ser oferecimento de uma ONG pela ética na política. Tudo com muita adequação, originalidade e vagabundice extrema.

Estamos virando uma espécie de casa de tolerância cultural (sem eufemismo, eu quis dizer puteiro).

3 thoughts on “Cultura oferecida

  1. Se a cultura são as regras que regem uma sociedade e o consumo é uma das principais características do ser humano. Não faz um pouco de sentido que a cultura force algum tipo de consumo?
    De qualquer forma… essa barra forçada me incomoda também. Cheguei a escrever sobre isso há um tempo [ http://tinyurl.com/3xzpsd9 ], mas fui bem mais ingênuo que você.

  2. Divertido e irreverente o texto. Sou obrigado a concordar com o autor, mas não é de hoje que a cultura vive isso que ele chama de “promiscuidade”. Acho que é desde sempre, né? O que ocorre, de fato, é uma banalização da cultura. Hoje, qualquer corredor de banco ou repartição pública virou “espaço cultural”. O que incomoda não é a massificação (o que aliás, deve existir, democratizar acessos é importante), mas, repito, a banalização. No mais, patrocinadores sempre existiram e sempre existirão e, claro, retiram o máximo de visibilidade do “investimento”. A diferença é que antes eles eram mecenas, investiam por acreditar na arte e nos conteúdos propostos. Hoje, a grande maioria é movida pela mera isenção fiscal. São tempos modernos. De massificação, o que pode ser bom e, o ruím, de certa imbecilização. Um brado aos raros artistas e produtores que não fazem tantas concessões e impõem limites aos seus “incentivadores”. Assim, apropriando e extrapolando o eufemismo final do autor, a arte não fica submersa na sujeira do galinheiro.

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