Novela: a crônica medieval no século XXI

E antes era assim: se o cara morasse numa aldeia perdida no meio do nada, numa tapera qualquer, passaria a vida por ali, lavrando a terra e olhando para o infinito com a esperança de que, um dia, quem sabe, uma caravana o levasse para longe. Ou ele pegava a trouxa e, com vagos sonhos e muita fome de liberdade, rumava para a capital a perder-se no anonimato.

O enraizamento irremediável ditava a sorte dos desvalidos. E não faz tanto tempo assim, a televisão não era mais do que inviável realidade qual literatura que se lê mas não se vive. A novela das 8 ainda crê nesse tempo revoluto, de cartas não respondidas e esperas intermináveis e de juras escondidas nas trapaças dos vilões. Trama medieval. Literatura que não se vive.

Num piscar do computador, um encontro salvador, um apelo redentor, uma descoberta muda a vida de uma pessoa. É possível, é fácil e é irresistível.

Talvez tenhamos que reinventar o papel da dramaturgia televisiva. Retratar a vida real, nas telas, é, na melhor das hipóteses, monótono e, na pior, embrutecido. Retratar as vizinhas, as ricas, as pobres, os vilões maldosos, os bem-intencionados fodidos, temperado com tramas e diálogos de envergonhar um colegial, é achar que a Dona Maria (porque insistem em achar que Donas Marias são o target principal da televisão) é uma Severina desconectada.

Aposentem as fórmulas prontas, as pesquisas de público e os novelistas de pijama porque a realidade que está a um clique de ser vivida é mais excitante que a pretensa fantasia da televisão.

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