Nossa propaganda da geração espontânea

Faça assim: pegue uma camisa de marinheiro, dessas bem fedidas e jogue no porão de um navio. Espere alguns meses e quando você menos esperar, daquela coisa podre, nascerão milhares de horrorosos mickey mouses com peste bubônica.

O povo tem se acanhado cada vez mais em programar e defender as chamadas mídias tradicionais. É quase como se estivessemos pedindo desculpas: “olha, aqui vamos fazer uma campanha de televisão, mas não se preocupe, vão ser filminhos de 30 segundos, daqueles lá que se fazia antigamente, com atores, trilhas e tal, sabe? Mas veja que todo o suporte de mídias stroboscópicas vai complementar a estratégia”.

E até situações mais inusitadas ocorrem: “caro cliente, essa é uma coisa revolucionária, vai acontecer bem devagarzinho, nas mídias sociais, e vai crescendo, crescendo, crescendo de tal forma que não vamos precisar de nenhum único filmezinho na televisão, nem revista nem coisa nenhuma. Vai ser uma bafafá e iremos cobrir todo o nosso target apenas com a boa vontade da mídia falada, escrita e televisionada que vai se acotovelar para publicar nosso feito”.

Ou mais psicodélico ainda: “vamos criar um fato novo, que nunca ninguém sequer imaginou possível. E sabe o que vai acontecer? Não vamos fazer nenhuma mídia e sequer vamos precisar produzir nada. É uma espécie de estratégia pré-pasteuriana: vai ser tudo geração espontânea. Quem tem que nos consumir vai também nos divulgar.”

Ficou tão escalafobético mostrar um mapa de X que os mídias estão com os dias contados. Ou os planejadores já que tudo é espontâneo e intuitivo. Ou os criativos porque estão terceirizando a mão de obra com os consumidores.

E no final, para a broxada geral, a decepção e a mágoa, vem o dono da caneta que nos lembra que ele comprou um pacote de televisão. O dono da batata que avisa que no dia seguinte ele quer todas as Severinas fazendo fila na porta da loja. Ou nerd maldito: caiu o servidor. Ou o patrão que só se arrisca nos festivais.

Pergunta ingênua: qual foi a última vez que você trabalhou, como consumidor, para uma dessas campanhas de mídias sociais? Não minta: eu disse trabalhou, ou seja, acompanhou, seguiu, produziu, espalhou, tudo ao mesmo tempo, como se fosse a última coisa que você quisesse fazer na vida?

4 thoughts on “Nossa propaganda da geração espontânea

      1. Fernado,
        Acompanho seu blog com interesse e respeito à sua inteligência. Na tua abordagem sobre a vergonha que os publicitários estão tendo em defender as mídias tradicionais, faço uma provocação reproduzindo trecho do seu post “cronica medieval”. Abs, Sérgio Lopes -“Aposentem as fórmulas prontas, as pesquisas de público e os novelistas de pijama porque a realidade que está a um clique de ser vivida é mais excitante que a pretensa fantasia da televisão.

  1. Engraçado, ontem mesmo eu estava pensando sobre abiogênese também, para alguma coisa que ia fazer, mas não vem ao caso agora.

    Acho que quando um comercial é sugerido, parece que a agência está levando vantagem em cima do cliente, por causa de todo aquele lance de BV. Já escutei isso da boca de alguns clientes, que chegaram a sugerir um fee baixo e bonificações por resultado. Também acho que todo esse imbróglio se agrava mais quando a galera cria esses video cases de projetos online. Pode parecer idiota, mas toda vez que vejo um case digital, eles parecem se apresentar como se fossem a melhor coisa do mundo, mas poucos projetos isolados me impressionaram com os seus resultados até hoje, talvez seja por isso que eu concorde com o que você escreveu. A impressão do digital ser de graça também favorece, além de passar uma sensação de onipresença que todo cliente acredita e adora. Sou favorável a mais investimentos no digital, mas essa efusividade ao redor do assunto e o medo do tradicional me irritam.

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