Monthly Archives: July 2010

O que perdemos se um webmaster bêbado apagar todos os blogs jamais escritos?

Quem sabe, um dia, alguém escreva uma “estética do blog”, mas enquanto a arte, entre aspas, de escrever blogs ainda é imatura e, graças a Deus, efêmera demais para configurar um estilo próprio, é possível ensaiar algumas tipologias dos diferentes estímulos à expressão escrita mais popular do século.

– Blogs de uma vida monótona. Esses são os blogs do tipo Diários, anotações esparsas, fragmentos de experiências, pensamentos, sentimentos. Configuram uma compensação psicológica ao drama de ter que acordar todos os dias para viver a mesma vida da véspera.

– Blogs de uma vida tolhida. Nesse tipo, o principal estímulo é libertador, escreve-se neles por falta de espaço, no sentido próprio e metafórico, nos canais alimentares. É onde pode-se dizer o que não se poderia dizer. Inclusive besteiras.

– Blogs de uma vida opaca. Já nesses, o que excita os escrivinhadores é ganhar notoriedade através de uma ebulição mental e criativa que acham merecer tornar-se pública. Esses são os blogs da sonhada fama eminente, para entreter a turma, a turba.

– Blogs de uma vida passiva. Aqui, os blogueiros são aguerridos, revolucionários, transformadores. Jogam ideias e observações mais poderosas do que toda a ação da Cruz Vermelha, dos Médicos e Jornalistas sem Fronteiras do que a ONU.

– Blogs de uma vida alienada. Esses são deliciosos retratos da contemporaneidade. São os blogs que se acham porque seus autores se acham porque disseram que todo mundo tem direito de se achar. São a expressão de ervilhas enlatadas e saltitantes. Alegres, narcisistas, exibidos. Escritos para alegrar o umbigo, sem nenhuma vergonha nem autocrítica.

Tem mais, mas esses são os mais comuns, tão comuns como comum, banal e vulgar metamorfoseia-se hoje a expressão humana.

E um dia, para nossa sorte, um webmaster bêbado, apaga os servidores.

Helder Araújo, por exemplo

Ele tem um olhinho matreiro, cria das Gerais, e um dandismo latino, cria da bota etrusca. Mas, desconfiado, num crescendo operístico, a verve ilumina-se, sobe o tom, à medida que as ideias se desdobram, redobram e transbordam. O mineirinho de cachecol sobe no pedestal de um Antônio Conselheiro, evangelista.

Para Helder Araújo, modernidade é um ponto de uma curva em espiral ascendente. Nada é novo se não for herança, do que foi e do que será.

O vasinho da Mesopotâmia de argila cozida, que virou pote de bronze, que virou urna de vidro, que virou pipeta refratária que virará, um dia, sabe-se lá o quê. Novo é melhorar o velho e preparar o mais novo ainda. E sempre será assim: o tempo de se fazer o novo é agora, pois num piscar já fomos.

–   A gente morre; as coisas, não.

Então, Helder estudou design na Universidade Federal de Minas Gerais e na fábrica da Benetton, na Itália. Foi trabalhar com design e pesquisa de comportamento, tentando entender a criação e a inovação produzidas pela principiante espécie humana. Se queremos deixar um legado que dure mais que nós mesmos, temos que entender onde colocamos nossa força, nossa energia. Temos que questionar qual a ideia, que coisa ou que indústria estamos alimentando com o nosso suor, com o nosso pensar. Temos a chance de escolher algo para melhorar e deixar algum exemplo para quem vier? Basta se perguntar qual evolução queremos alimentar.

– Mas ainda não tinha descoberto o elo perdido.

Porque afinal, se as coisas perpetuam-se para além da nossa fugaz existência, que diabos estamos fazendo aqui? Qual o nosso papel? Se Deus existe, ele brinca de fazer a gente duvidar de seu determinismo. E nós brincamos de ensinar a Deus que a água pode ser domesticada no vasinho da Mesopotâmia, apesar da rebeldia das moléculas. E também, porque a gente desconfia que a água pode ser separada em átomos, e os átomos também, e além, a gente vai mais longe e acelera as partículas até tentar entender o Big Bang. Na volta descobrimos que tudo está codificado. A vida é informação traduzida em genoma e pode ser manipulada e artificialmente criada. Perspectivas que dão  ilusão de poder ou escancaram nossa ignorância.

– Então, talvez o que fica como nosso legado seja só somar os elos.

Conhecimento. Essa coisa se chama conhecimento. O que nos faz somar e transformar, o que nos faz melhorar as coisas que são eternas é a nossa atávica capacidade de aprender e ensinar. A modernidade é portanto só fator, e não objeto. É uma espécie de fermento. Criar é só inspirar-se no velho e inspirar o novo. Se os gregos inventaram a pólis, que se dividiu em demos, promoveu democracia  direta que virou representativa que está virando participativa. Se a Bíblia é O livro, foi necessário multiplicá-lo – a contragosto – para profaná-lo. Assim veio o Decameron, e Rabelais, e Cervantes e À procura do tempo perdido, e depois Paulo Coelho e os blogs, e as conexões entre humanos que se socializam ao sabor da grande rede. A troca de conhecimento é o que une a diversidade.

WEBCITIZEN


www.webcitizen.com.br

Há um ano, a Webcitizen surgiu com a proposta de desenvolver espaços que estimulem o engajamento cívico. Temas áridos apresentados com a mesma leveza do um game ou passatempo. Transparência muito além dos dados abertos.

No Vote na Web, um dos aplicativos desenvolvidos, não encontramos textos burocráticos ou com linguagem rebuscada que afastam o cidadão da política. Aqueles textos enormes, escritos em “congressês”, transformam-se em três objetivas linhas. Dois “cliques” e é possível saber quais são os Projetos de Lei em tramitação e quem são os políticos responsáveis por eles.  Ainda é possível votar simbolicamente contra ou a favor e visualizar em um mapa colorido o que pensam a respeito os cidadãos de cada Estado.

São mais de 5 mil usuários, sendo mais da metade com idade entre 16 e 30 anos, reunidos para discutir política. A iniciativa já chamou a atenção do mundo. Recentemente, a Webcitizen foi a primeira iniciativa apresentada em língua não inglesa para o GOV 2.0 Expo, principal evento sobre o tema, realizado em Washington. O exemplo será replicado em outros países, como Colômbia, EUA, Itália e Israel.

A tecnologia foi doada para que cada local adapte a ferramenta ao seu sistema político. A Organização das Nações Unidas, ONU, também se interessou e deve integrar a plataforma em um dos pacotes de aplicativos que oferece a países com governos democráticos.

A Webcitizen é uma plataforma participativa, que sonha reinventar a democracia através da colaboração livre dos cidadãos.

– Mas é recitando que se aprende?

Propagar conhecimento é também encurtar caminhos. É não precisar quebrar o vaso da Mesopotâmia para criar a pipeta refratável e o acelerador de partículas. Carlos Magno inventou a escola, e desde então a gente senta a bunda na cadeira para decorar que ele inventou a escola. Mas o mundo ficou mais rápido; as noites, mais curtas e os dias, uns suspiros. A gente aprendeu a aprender sozinhos, porque num clique desfila toda a enciclopédia humana em sínteses úteis.

BUSK


www.busk.com.br

Rede social, buscador e agregador de notícias. Um lugar para encontrar, colecionar e compartilhar conhecimento. Uma plataforma de educação informal, que começa com a busca de notícias.

Lá você encontra um conteúdo que passa pela curadoria da equipe do Busk. Todos os sites que participam do clube de publicadores do Busk foram convidados, um a um, a fazer parte do projeto. Sem hierarquia ou julgamentos sobre o que deve ser conhecimento e informação: moda é tão importante quanto política. Toda notícia lida pode ser colecionada em seu perfil e compartilhada por twitter, facebook, orkut ou e-mail. Ao receber a notícia, seu amigo vê como chegou até ela, e se ele clica na fonte encontra – em ordem cronológica – as últimas publicações daquele site. Ou, se clica no autor, vê tudo o que ele escreve, pensa e dissemina. Ele também pode vizualizar o seu perfil e perceber, por exemplo, através de seu mapa de consumo de informação, que você se interessa por esportes tanto quanto ele. Nesse momento, o Busk atua como rede social unindo pessoas através do conhecimento. Seguindo um perfil, você tem acesso a todo o conteúdo salvo naquela coleção e tem a oportunidade de aprender com seu amigo e dialogar sobre as notícias, no espaço, para comentários. O Busk também vai ranquear com quais dos seus amigos você tem mais afinidade.

É o conhecimento compartilhado transformando cada pessoa e suas relações sociais.

– Mas e o charme, não percamos o charme jamais.

Helder aprendeu a gostar de Gustav Klimt com Dona Dulceneia, sua professora de educação artística, mas foi conversando e viajando que ele se deu conta de que a loucura de alguns é só um tipo de imaginação mal compreendida ou não realizada. A imaginação estéril não passa de alucinação.

Omar Vulpinari, um de seus mentores na Itália, certa vez lhe disse: uma ideia só tem valor quando materializada. O charme de uma ideia está na capacidade de seduzir para transformá-la em realidade.

TEDx


www.tedxsaopaulo.com.br

Em novembro de 2009, aconteceu o primeiro evento TED no Brasil: o TEDx São Paulo, que reuniu 1.000 pensadores de diversas áreas de conhecimento e atuação para debater “O que o Brasil tem a oferecer ao mundo agora?”. Foram 14 horas de evento, com 34 palestras e quatro intervalos, para a interação entre o público e os palestrantes.

O TEDx São Paulo foi realizado por uma equipe de onze voluntários, durante um ano, desde que Helder Araújo, por ser membro da comunidade internacional,  conseguiu a licença para a realização da edição brasileira.

Na Califórnia, onde acontece desde 1984, com a proposta de apresentar “ideias que merecem ser espalhadas”, Gordon Brown, Bono Vox, Bill Gates e Al Gore já se apresentaram durante 15 a 20 minutos, o mesmo tempo que é reservado a outros palestrantes menos populares. Foi através do TED que o educador Ken Robinson ou a neurocientista Jill Bolte Taylor, por exemplo, disseminaram o que pensam sobre educação e como é passar por um derrame cerebral.

Em comum, todos os palestrantes têm um olhar renovado e impactante sobre os temas que abordam. São exemplos inspiradores.

Para ampliar e democratizar o acesso ao conhecimento, hoje, todas as palestras de eventos TED são publicadas na internet com um programa de tradução colaborativa. Algumas chegam a ser traduzidas para 12 idiomas.

A licença “X” permite a realização de eventos independentes pelo mundo, os TEDx, com a mesma filosofia. O TEDxSP foi considerado o encontro mais importante da América Latina e um dos melhores do ano de 2009, ao lado de dos TEDxTokio e TEDxParis.

Em novembro de 2010, os mesmos organizadores da edição paulista (que será bianual) realizarão o TEDxAmazônia, debatendo a “Qualidade de vida para todas as espécies” – dos corais marinhos aos seres humanos. O encontro acontecerá em Manaus, em um hotel no meio da floresta, durante dois dias. Em seguida, haverá uma expedição pelo Rio Negro, durante a qual os membros da comunidade poderão vivenciar uma experiência íntima com a realidade local.

Outra ação será o fomento de encontros dentro de universidades brasileiras, com palestras de estudantes de gradução, mestrado e doutorado. Em 2011 haverá um grande encontro, reunindo as melhores ideias apresentadas dentro das instituições de ensino, e por votação uma ideia será selecionada para receber um incentivo financeiro para sua materialização.

– Aprender com o charme do exemplo.

Que outro lugar do mundo poderia ser tão generoso, além do Brasil? O mundo tem seu ócio criativo, nós temos nossa desordem criativa. O Brasil que se banha na mistura desde sempre. O Brasil que entra na internet com fome ancestral.

O Brasil que tanto atraso precisa chacoalhar para recuperar séculos de analfabetismo. O Brasil que, sem banhos de sangue mas muito suor na camisa, pula de uma obscura ditadura para a aprovação de iniciativas populares pelo Congresso em votações inéditas.

–  Meu exemplo? O Brasil para o mundo.

Sem essa de subir em pedestais. Quando uma nação precisa se declarar grande, por que outra é imeditamente declarada pequena? A cidadania global valoriza as trocas, sempre mais estimulantes do que as disputas. Essa é a nossa história, nosso exemplo, nosso charme matreiro.

Planejamento: 40%; Criação e Mídia: 10%

Numa recente concorrência de agência, um anunciante estipulou assim os pesos para os trabalhos que seriam apresentados: criação, 10%; mídia, 10%; planejamento, 40%; outros: 5+5+5+5+5+5+5+5% (estrutura, cases, atendimento, etc.).

Essa forma de considerar o trabalho de comunicação é, no mínimo, surpreendente e demonstra uma tendência curiosa.

Ao ler os critérios superficialmente, podemos evidentemente enaltecer o papel da estratégia de comunicação e lamentar a irrelevância atribuída à criação ou à mídia.

No entanto, se é verdade que o papel do planejamento vem ganhando importância em função também de seu desempenho cada vez mais profissional no país, esse tipo de qualificação das áreas denota uma incompreensão patente do movimento com o qual as agências estão comprometidas, a saber, a integração das atribuições e das entregas entre todas as “especialidades”.

Houve um tempo em que a criação era muito mais valorizada, em detrimento do trabalho de planejamento, discriminado ou redundante. O balanço tende a pesar demais, hoje, para o outro lado, e isso, embora seja uma reação que busca o equilíbrio, é excessivo porque reforça um trabalho apartado, desintegrado.

A criação sempre será a parte visível de um trabalho de comunicação, portanto, a mais charmosa nos bons exemplos, ou vulgar nos maus. Por melhor que seja a estratégia, o trabalho que se vende (e aquele que vende também) é aquele que se vê.

Portanto, o critério correto de escolha de uma agência deveria concentrar-se definitivamente na criação. Por criação, no entanto, deveria avaliar-se, dentro dela, o raciocínio. Esse deveria ser o quesito planejamento a ser considerado, e não de forma independente e isolada.

Mas estamos muito longe desse ideal porque, muito antes de conseguirmos alcançar essa apoteose, ainda deveremos conseguir resolver a questão da autoria, da vaidade e das recompensas individuais.

Enquanto isso, planejadores: ao trabalho; e criativos: relaxem.

O conjunto, a essência e o detalhe

Alberto Manguel, em seu livro “O amante detalhista”, descreve em um thriller psicológico um homem apaixonado por detalhes de corpos humanos que ele fotografa por minúsculos buracos. À noite, ele revela as fotos e monta partes de corpos diferentes, em um imenso e sensual quebra-cabeças. Tara apaixonada, portanto verdadeira, incontrolável, humana.

A beleza do conjunto é uma construção romântica que decorre de uma idealização da natureza. O conjunto seduz, mas só o detalhe transporta e apaixona. A cova no queixo, a careta, a ruga, o trejeito raro, o músculo tensionado do dedo mindinho.

Da mesma forma, a essência é um conceito abstrato, que parte de um raciocínio hierarquizante. O mundo é composto de partes que se complementam e se engendram de forma funcional ou aleatória em ecologias complexas. Não existe uma essência, mas várias, inúmeras, infinitas.

Trabalhar o conjunto e buscar a essência são, portanto, esforços intelectuais e abstratos.

A comunicação e a propaganda tendem sempre para esses dois extremos: o conjunto ou a essência. Os detalhes, nesse tipo de construção, são fortuitos, frutos do acaso ou simplesmente desprezados.

Quando temos pouco tempo para falar – alguns segundos que se resumem a um piscar de olhos – escolher expressar o conjunto ou a essência é não somente mais difícil e trabalhoso, mas assustadoramente pretensioso.

A comunicação publicitária possui uma contingência de mínimo denominador comum: deve-se calibrar o discurso para muitos. Encontrar uma essência ou um conjunto que seduza o máximo de pessoas, experiências e sonhos é um desafio de titãs.

Já os detalhes picantes, engraçados, emocionantes, bizarros, inteligentes constituem um universo criativo virgem e universalmente cativante.

Steve Jobs goza e faz gozar

Quem nunca ouviu uma música em torniquete, mais e mais e mais, sem parar, até sufocar-se de prazer? Ou repetiu em desatino uma palavra, um grunhido, uma risada, um gesto, ao infinito?

O êxtase é sair do seu estado, cortar-se da cronologia, fixar o presente fora do corpo e da mente. E para Kundera, viver é o difícil balanço entre a busca do êxtase e seu controle porque seu gôzo eterno é mortal.

Há também sofrimento, pena, trabalho na busca e no controle do êxtase. Viver não é brincadeira.

A verdadeira criação é movida pelo êxtase pessoal e comunicá-la é a tentativa, magicamente imprevisível, de transferência desse estado fora do estado.

Pode haver êxtase em tudo. E o orgasmo é sua manifestação mais sublime, mas o êxtase é um prazer prosaico e pode estar na contemplação obsessiva de um buraco no chão.

Pode estar também na produção de um produto, de um texto, de um comercial de 30 segundos, de um supérfluo banner na Internet.

Mas o mundo das marcas, com poucas exceções, é mecânico, cheio de modelos, cabrestos e tolhe, acoberta, policia, vulgariza, nega, assombra ou massacra, o êxtase criativo que transporta e faz nego comprar para além da razão, para além do coração, para além da sanidade.

A propaganda é caroço duro de roer

A propaganda, talvez por missão sintética, por restrições de espaço, por objetivos massivos ou por ser simplória, concentra sua mensagem naquilo que chama de essência.

Assim, todo o trabalho de planejamento, de briefing e também de criação busca inspirar, enunciar e comunicar a essência de uma marca, de um produto, de um serviço ou de alguma ação. E convencionou-se situar a essência no centro, portanto, exercendo uma superioridade e prioridade sobre tudo aquilo que seria ou será, a partir dessa descoberta, periférico.

Graças ao nosso natural talento para a metáfora, os mais místicos chamarão essa essência de alma; os mais românticos, de coração, mas caroço é mais evocativo.

Uma alma é a etérea representação de nosso complexo de mortais, é nosso álibi de eternidade, uma alma é algo que não se expressa nem se manifesta. Um coração é só uma bomba com motor, um órgão subserviente a impulsos nervosos. Coração e alma foi o que alguns  malucos muito ignorantes colocaram no centro do DNA!

Já um caroço, assim como contém a semente que germina para a renovação, é também o que sobra quando já nos regalamos.

Por trás da busca pelo caroço, desprezamos e até rejeitamos a suculência, o prazer da superfície, a luxúria do detalhe, a sensualidade do supérfluo.

E, no mais das vezes, a essência que assombra nossa busca reduz o  discurso e a história, a provocações racionais básicas ou estímulos emocionais vagos. A  propaganda vira um megafone de argumentos (preço, features…) ou um clipe de sensações imprecisas (juventude, felicidade…).

Por que não acreditar, por vezes, que a busca da essência pode ser substituída pela descoberta da superfície?

Será que só amamos a essência ou os detalhes encantadores?

A pequena e deliciosa periferia da superficialidade tem charmes irresistíveis, capazes de mascarar os mais incorrigíveis defeitos. Essa é a mágica da sedução.

A propaganda, enquanto permanecer encarcerada na ditadura da essência, será quase sempre vulgar, desinteressante e chata pra caralho.

Na propaganda, copiar pode?

Para Lautréamont, do encontro de um guarda-chuva e uma máquina de costura depreende-se a verdadeira beleza do improvável. O choque do sonho com a realidade.

A propaganda já foi humorística como Cervantes, realista como Zola, surrealista como Breton. Quando ela não resolve ser simplesmente estúpida como emerge dos ajustes de pesquisa ou vulgar na conclusão precoce de sua eficiência comercial, já soube (e sabe) se inspirar.

Não é pretensioso nem vergonhoso ser capaz de beber na fonte de referências artísticas para criar um produto a serviço de interesses da sociedade de consumo. Ainda é preciso conhecê-las, claro, e curti-las a ponto de poder libertar-se.

Nas artes, o “done that, been there” é uma sentença severa que precipita as obras no esquecimento ou no desprezo. Circular por caminhos já traçados e brilhantemente explorados não passa de exercícios. A obra artística verdadeira, no entanto, propõe novos desvios e jornadas.

Na propaganda, o “done that, been there” é legítimo?

Depende daquilo que se entende por propaganda.

Se a propaganda responde a objetivos mensuráveis de vendas, participação de mercado ou quaisquer outras leituras de imagem, restringe-se seu papel a uma função. Assim, a cópia, a imitação é apenas censurável na medida da sua memória. Copiar o que foi esquecido pode.

Mas, se acreditamos que propaganda também é cultura e temos convicção de que através desse desígnio elevado os objetivos mensuráveis são potencializados, a propaganda tem um papel, e não só uma função. E o “done that, been there” amplia-se para além do tempo. Copiar não pode.

Essa é a diferença entre as duas visões do ofício publicitário e marca todos os debates.

Alguns professam o “fazer” imediato, o “criar” para um fim profano.

Outros rezam o “transformar” no tempo, o “criar” para um fim sagrado.

E não é questão de escolha, mas de fé.

Tanto dito e tão pouco a dizer

Só existem dois tipos de discursos.

Aqueles que rezam pelo adágio “o maior prazer está em posar de inteligente diante de uma plateia de idiotas” e os outros que acreditam que “o maior prazer é bancar o idiota para os idiotas que posam de inteligentes”.

Os primeiros acreditam que são mais inteligentes que os outros, os segundos sabem que são tão idiotas quanto a maioria.

Os primeiros se levam a sério, os segundos só levam a sério o humor.

Toda obra literária, inclusive a dos blogs, redes sociais e outros twitters, é um exercício que balança entre esses dois extremos.

Distinguir os dois polos é toda a arte da leitura e um remédio para suportar a medíocre metralhadora à qual estamos submetidos, à nossa revelia, nesses tempos de tantas vozes e tão pouco a dizer.

O exibicionista útil e o exibicionismo star system do Twitter

Entrar no palco, encarar uma multidão, mesmo quando as críticas são menos que as expectativas, mesmo quando a técnica escravizou a segurança, exige muito mais do que disciplina e senso do dever. O medo do outro oprime, seja ele familiar ou novo.

E, assim, a arma mais poderosa, universal e disponível para enfrentar as plateias é a vaidade.

O performer, em qualquer atividade e para qualquer finalidade – artista, político, palestrante e até numa simples reunião com meia dúzia de colegas ou clientes – precisa-se do gás e da armadura fornecida por uma dose de exibicionismo. Todos aqueles que pretendem galvanizar uma plateia – até as mais prosaicas e menos flamejantes, uma reunião de amigos até – desempenham melhor se souberem aflorar seu lado “drama queen”, carente de reconhecimento, louvor e aplausos.

Sem exibicionismo não há espetáculo, nem sedução, nem paixão.

É muitas vezes difícil aceitar, reconhecer, assumir e muito difícil admirar, mas o revés da moeda do comunicador é o exibicionismo.

Mas há uma fronteira nem sempre clara entre o exibicionismo útil e o exibicionismo do star system. O perigo é confundir os dois. O primeiro é arma; o segundo, armadilha. O primeiro traveste, o segundo escraviza.

Tantas são as tentações que embrulha o estômago, por exemplo, reconhecer o exibicionismo do “sistema da fama pela fama” das redes sociais.

É sempre mais simples, mais tentador, mais fugaz também do que disciplinar o ego e utilizar a vaidade a serviço de uma ideia e de um discurso, simplesmente para vencer o medo da plateia.

Rasga-se o soutien, mas o peito sempre cai

Quando dissemos que a televisão estava em estado avançado de putrefação, que os jornais que embrulhavam os legumes na feira seriam substituídos por outras formas mais inteligentes de suportar conteúdos, que a propaganda tradicional estava nos estertores de mentalidades engessadas e caducas, a gente se libertou, rasgou o soutient.

Quem não passou por essa alforria dos discursos e dos paradigmas ainda não aposentou as chuteiras mas perdeu uma grande curtição.

Mas quando percebemos que o peito sempre acaba por cair, a gente encontra dois tipos de postura no mínimo surpreendentes.

A primeira é daqueles que despertaram com uma década de atraso e manifestam um entusiasmo adolescente pelas formidáveis transformações em curso. Nunca é tarde para rejuvenescer, claro, e o tempo perdido é fácil de recuperar. Basta ser capaz de observar e se observar. Mas o que irrita é quando as descobertas “recentes” dessas pessoas são mascaradas pela presunção característica da experiência. Esse tipo de atitude cega o caminho, sempre melhor, que é o do meio.

Mas a segunda é mais maluca ainda e diz respeito àqueles que já nasceram em outra realidade de consumo de meios e perseveram com o discurso e a prática revolucionária. É inacreditável que existam pessoas mais jovens que super-valorizem as mídias ditas “novas” (não tão novas), em detrimento das velhas. É como ver um comunista de 20 anos, de barba e punho em riste, em pleno século XXI, ou um yuppie com 20 primaveras que fala que os fins justificam os meios.

Nem dá raiva, dá é sono, porque a raiva pelo menos excita.

Ipad não serve pra ler, só pra ver e lamber

No Brasil, as pessoas passam mais tempo na TV do que jogando videogame. Entre o game e a Internet deve ter empate técnico, mas certamente mais tempo na Internet do que fazendo amor, conversando com os filhos ou lendo um livro ou um jornal.

A gente queima as pestanas para achar os culpados. E claro, o maldito preferido é o governo, que não dá educação. Ou o presidente que é ignorante, mas já houveram outros tão incrivelmente educados, de fino trato, e coisa e tal. Ou então os portugueses, esses degenerados.  Ou a elite que não quer gente estudada para questionar o sistema de classe. Ou os pobres coitados que são uma mistura infeliz de raças preguiçosas.

Balzac passava páginas e páginas descrevendo a aparência física de uma pessoa. E, através dessas longas e precisas linhas, ele também revelava sua personalidade, sua alma, seu destino. Balzac e Swift ganhavam por linha escrita nos jornais em que publicavam seus livros.

O fato é que ninguém quer saber de ler coisa nenhuma. Para piorar, vem essa Internet que organiza ou desorganiza o conhecimento em fragmentos esparsos, sem garantia de origem, nem direitos, nem censura. E se perguntarem para 10 pessoas que desejam ardentemente o que pretendem fazer com seus iPads, nove vão responder que é para ver vídeos, ouvir música, ver fotos e papear nas redes sociais. Quem disse que o iPad vai substituir o livro ou o jornal está redondamente enganado.

O livro ou o jornal não vão ser substituídos, serão banidos de nossa existência, apesar da modernização dos suportes.

E diante desse cenário em que a cultura da imagem, do movimento, da síntese ou da imersão protolisérgica das narrativas venceram a contemplação, as descrições e o culto do estilo, não adianta sentir saudades.

A culpa está em nós. Não é o governo que não dá escola. Somos nós que não vemos mais tanto interesse em ter filhos aprendendo tabuada.

Não é o presidente que é ignorante, somos nós que lemos menos de um livro por ano e nos informamos aos frangalhos no google, no orkut ou no twitter.

Jornalismo participativo não é jornalismo de auditório

Há uma crítica generalizada que se dirige à qualidade do assim chamado jornalismo cidadão, ou participativo. Pouco compromisso com a qualidade das fontes, responsabilidade ética duvidosa, anonimato que mascara intenções questionáveis, investigações superficiais.

Se por um lado, ainda no susto de uma incontrolável concorrência surgida sem compromissos comerciais, legais ou de reputação, a mídia tradicional reagiu (e ainda reage) com inocência, dando voz indiscriminada aos comuns cidadãos, por outro, a liberdade é inebriante para aqueles que repentinamente descobrem um canal de expressão universal, simples e sem censura.

Ainda vivemos um longo período de adaptação, no qual, uma vez vencida a pretensão magoada dos antigos e o frenesi adolescente dos novos, o tributo sociocultural que a Internet, a termo, permite é alvissareiro.

Mas parece que, por parte dos antigos detentores e distribuidores da informação, ainda há um longo caminho de compreensão do fenômeno.

O mais recorrente argumento diz respeito, evidentemente, à qualidade da informação. E é simples verificar que, de fato, quando a mídia tradicional permite, sem discriminação, a manifestação de seus leitores, o resultado é geralmente ruim, superficial, mal escrito e personalista (“eu acho” ou “para mim” são os preâmbulos de 2 em cada 3 comentários em sites de notícias). O público, ao expressar-se, não percebe com muita clareza ainda que um veículo de comunicação, seja ele em que plataforma for, deve respeitar a regra do interesse comum. Um jornal ou um blog “jornalístico” não é confessionário ou divã. Portanto, achismos são menos interessantes que argumentos.

A tese, no entanto, não deveria ser tão conclusiva, a ponto de virar axioma das redações, que ridicularizam consciente (para os mais ousados) ou inconscientemente (para os mais pretensiosos) o jornalismo participativo, reduzindo-o muitas vezes a uma espécie de sufrágio de opinião pública, obviamente sem nenhum valor.

Cabe, sim, às novas redações, aos novos jornalistas, assumir uma nova função que consiste na capacidade de lidar com um fluxo muito maior de informação, oriundo agora, para além das tradicionais fontes, dos próprios leitores. Isso exige trabalho e ferramentas, além de boa vontade. Cabe ao jornalista devidamente munido dos adequados recursos a função do filtro editorial exponencialmente extrapolado. Não se trata mais, apenas, de publicar qualquer bobagem só porque “foi dito por um leitor”. Essa “tendência” já caducou há anos e perdeu totalmente a relevância, inclusive para dar ares de modernidade às redações. Por trás de cada editor deveria existir uma espécie de trackeador de fonte, subeditores – automatizados ou não – que peneiram, na montanha de canais de recepção de informação, aquelas que realmente são capazes de enriquecer o conteúdo.

Por outro lado, um paradigma importante deve ainda ser quebrado. Ainda que as fontes explodidas vindas dos leitores possam ser difíceis de filtrar, deve-se acreditar na seleção natural. A termo, informações equivocadas ou mal intencionadas são naturalmente expelidas pelos próprios leitores e algoritmos automatizados. Se a Wikipedia tem muitos verbetes equivocados, a esmagadora maioria deles está correta ou vai se corrigir com o tempo, rapidamente. Assim sucede também com a nova função jornalística que, sem furtar-lhe o dever de filtro expandido, deverá crer na capacidade de autocorreção.

Se não queremos perder-nos no obscurantismo cultural, se não queremos que as novas gerações informem-se apenas no jornalismo humorístico de auditório e nos scraps das redes de relacionamento, é tempo de encarar a participação dos leitores com mais inteligência e menos parti-pris.

O Mundo não está perdido

Semana passada, selou-se um memorável acordo: a troca de participação do mais tradicional jornal da França, “Le monde”, mais que uma empresa jornalística, uma instituição nacional.

Por mais de 100 milhões de Euros, três investidores assumem o desafio de salvar o jornal: Pierre Bergé, Xavier Niel e Matthieu Pigasse.

O que tem de surpreendente essa nova investida para enfrentar os tempos bicudos que assolam os jornais de todo mundo há vários anos? O que tem de arrojado o compromisso que derrotou a poderosa oferta do Nouvel Observateur (uma espécie de Veja no conteúdo e na ideologia), do Grupo Prisa (uma espécie de Abril nos tenáculares poderes) e da France Telecom (uma espécie de estatal privada)? O que tem de irônica essa vitória que tanto desagradou ao presidente Sarkozy, com seu apetite pela cobertura midiática e que enfrenta os piores indices de popularidade já registrados por um presidente francês?

Acima de tudo, a biografia dos novos donos da casa.

Por detrás das manchetes “people” que estampam Pierre Bergé como companheiro por décadas de Yves Saint Laurent, há também o formidável empresário que construiu a marca YSL, o homem de grandes causas como a Sidaction, a bem sucedida campanha de arrecadação de fundos para a luta contra a Aids na França, o amigo dos socialistas poderosos, o idealizador e proprietário de “Tétu”, a revista GLS mais influente do país. Bergé também é um homem com um gosto apurado pela cultura e manifestações artísticas.

Xaviel Niel é o mago da Internet que dá dinheiro. Proprietário da Free, o maior provedor de acesso à Internet na França, Niel começou sua carreira criando os endereços de encontros eróticos no Minitel (o avô francês da Internet commercial). É também um feroz e contundente defensor da liberdade na Internet, opondo-se do alto de sua imagem de “enfant terrible” do empresariado francês e 12o homem mais rico do país, à todas as tentativas de coibir, legislar ou regulamentar o acesso (como a lei Hadopi, um projeto anti-diluviano que restringe e pune os infratores do direito autoral on-line).

Matthieu Pigasse foi o mais jovem talento a assumir a direção geral do banco de investimentos franco-americano Lazard Frère, aos 34 anos. É um empresário que curte Beckett e recita Spinoza, além de ser fino conhecedor do Rock. No ano passado, adquiriu a revista Inrockuptible, um sucesso de vendas há anos na França, e talvez a mais importante publicação independente de cultura jovem do País.

O Le Monde vendeu no ano passado, em media 288 mil exemplares (dos quais 130 mil assinantes) por dia, ou seja uma repetição paulatina das quedas de tiragem dos anos anteriores: – 4%.  O grupo emprega mais de mil pessoas, dentre os quais 280 jornalistas só para o jornal.  Além do jornal, a empresa possui revistas (Télérama, La Vie, Courrier International e Monde diplomatique) e uma plataforma na Internet (lemonde.fr e lepost.fr). Apesar da diversificação e dos investimentos continuados em meios digitais de fazer inveja a qualquer periódico brasileiro, Le Monde acumulou um prejuizo de 25 milhões de Euros só em 2009.

É evidente ainda que o contrato de controle acionário prevê total e absoluta independência editorial à redação. Os novos donos do jornal não podem, por contrato, ter qualquer ingerência no conteúdo dos veículos, sendo esse integralmente controlado por um conselho editorial de jornalistas. Ainda que essa ética nos pareça ficção, principalmente no nosso país em que os principais jornais são de propriedade majoritária de famílias que nem sempre são fãs da deontologia e transparência, esse tipo de estrutura é comum no mundo, digamos, tarimbado de civilização.

Ainda que não se possa prever com exatidão quais serão os movimentos de mudança pelos quais o Le Monde irá inevitavelmente passar, é de admirar-se e encher-se de esperança com a guinada modernizadora ancorada pela biografia dos novos donos do jornal.

É de um novo protagonismo que a mídia carece, aqui como lá. De ar fresco, sangue nos olhos, menos pretensão e mais ousadia. Caso contrário, a condenação, ainda que não venha por mecanismos mercadológicos e econômicos, virá por atentados democráticos e culturais irreversíveis. Ainda que não percamos nossos respeitáveis jornais, perderemos as novas gerações.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 11/07/2010