Jornalismo participativo não é jornalismo de auditório

Há uma crítica generalizada que se dirige à qualidade do assim chamado jornalismo cidadão, ou participativo. Pouco compromisso com a qualidade das fontes, responsabilidade ética duvidosa, anonimato que mascara intenções questionáveis, investigações superficiais.

Se por um lado, ainda no susto de uma incontrolável concorrência surgida sem compromissos comerciais, legais ou de reputação, a mídia tradicional reagiu (e ainda reage) com inocência, dando voz indiscriminada aos comuns cidadãos, por outro, a liberdade é inebriante para aqueles que repentinamente descobrem um canal de expressão universal, simples e sem censura.

Ainda vivemos um longo período de adaptação, no qual, uma vez vencida a pretensão magoada dos antigos e o frenesi adolescente dos novos, o tributo sociocultural que a Internet, a termo, permite é alvissareiro.

Mas parece que, por parte dos antigos detentores e distribuidores da informação, ainda há um longo caminho de compreensão do fenômeno.

O mais recorrente argumento diz respeito, evidentemente, à qualidade da informação. E é simples verificar que, de fato, quando a mídia tradicional permite, sem discriminação, a manifestação de seus leitores, o resultado é geralmente ruim, superficial, mal escrito e personalista (“eu acho” ou “para mim” são os preâmbulos de 2 em cada 3 comentários em sites de notícias). O público, ao expressar-se, não percebe com muita clareza ainda que um veículo de comunicação, seja ele em que plataforma for, deve respeitar a regra do interesse comum. Um jornal ou um blog “jornalístico” não é confessionário ou divã. Portanto, achismos são menos interessantes que argumentos.

A tese, no entanto, não deveria ser tão conclusiva, a ponto de virar axioma das redações, que ridicularizam consciente (para os mais ousados) ou inconscientemente (para os mais pretensiosos) o jornalismo participativo, reduzindo-o muitas vezes a uma espécie de sufrágio de opinião pública, obviamente sem nenhum valor.

Cabe, sim, às novas redações, aos novos jornalistas, assumir uma nova função que consiste na capacidade de lidar com um fluxo muito maior de informação, oriundo agora, para além das tradicionais fontes, dos próprios leitores. Isso exige trabalho e ferramentas, além de boa vontade. Cabe ao jornalista devidamente munido dos adequados recursos a função do filtro editorial exponencialmente extrapolado. Não se trata mais, apenas, de publicar qualquer bobagem só porque “foi dito por um leitor”. Essa “tendência” já caducou há anos e perdeu totalmente a relevância, inclusive para dar ares de modernidade às redações. Por trás de cada editor deveria existir uma espécie de trackeador de fonte, subeditores – automatizados ou não – que peneiram, na montanha de canais de recepção de informação, aquelas que realmente são capazes de enriquecer o conteúdo.

Por outro lado, um paradigma importante deve ainda ser quebrado. Ainda que as fontes explodidas vindas dos leitores possam ser difíceis de filtrar, deve-se acreditar na seleção natural. A termo, informações equivocadas ou mal intencionadas são naturalmente expelidas pelos próprios leitores e algoritmos automatizados. Se a Wikipedia tem muitos verbetes equivocados, a esmagadora maioria deles está correta ou vai se corrigir com o tempo, rapidamente. Assim sucede também com a nova função jornalística que, sem furtar-lhe o dever de filtro expandido, deverá crer na capacidade de autocorreção.

Se não queremos perder-nos no obscurantismo cultural, se não queremos que as novas gerações informem-se apenas no jornalismo humorístico de auditório e nos scraps das redes de relacionamento, é tempo de encarar a participação dos leitores com mais inteligência e menos parti-pris.

4 thoughts on “Jornalismo participativo não é jornalismo de auditório

  1. Como alguns que críticam essa nova realidade que está mudando o mundo, a internet está longe de ser algo inútil, bobo ou seja lá o que quiserem xingar, isso é fato. Trouxe uma nova maneira de como as coisas funcionam, e em vez de jogar pedras, deviamos observar e estudar a situação e não sair críticando, pois é novo pra TODOS nós, não há possibilidade de tirar conclusões.

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