O conjunto, a essência e o detalhe

Alberto Manguel, em seu livro “O amante detalhista”, descreve em um thriller psicológico um homem apaixonado por detalhes de corpos humanos que ele fotografa por minúsculos buracos. À noite, ele revela as fotos e monta partes de corpos diferentes, em um imenso e sensual quebra-cabeças. Tara apaixonada, portanto verdadeira, incontrolável, humana.

A beleza do conjunto é uma construção romântica que decorre de uma idealização da natureza. O conjunto seduz, mas só o detalhe transporta e apaixona. A cova no queixo, a careta, a ruga, o trejeito raro, o músculo tensionado do dedo mindinho.

Da mesma forma, a essência é um conceito abstrato, que parte de um raciocínio hierarquizante. O mundo é composto de partes que se complementam e se engendram de forma funcional ou aleatória em ecologias complexas. Não existe uma essência, mas várias, inúmeras, infinitas.

Trabalhar o conjunto e buscar a essência são, portanto, esforços intelectuais e abstratos.

A comunicação e a propaganda tendem sempre para esses dois extremos: o conjunto ou a essência. Os detalhes, nesse tipo de construção, são fortuitos, frutos do acaso ou simplesmente desprezados.

Quando temos pouco tempo para falar – alguns segundos que se resumem a um piscar de olhos – escolher expressar o conjunto ou a essência é não somente mais difícil e trabalhoso, mas assustadoramente pretensioso.

A comunicação publicitária possui uma contingência de mínimo denominador comum: deve-se calibrar o discurso para muitos. Encontrar uma essência ou um conjunto que seduza o máximo de pessoas, experiências e sonhos é um desafio de titãs.

Já os detalhes picantes, engraçados, emocionantes, bizarros, inteligentes constituem um universo criativo virgem e universalmente cativante.

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