Careta é ser contemporâneo

Na época de Mozart, as pessoas apreciavam sua música. Ele era muito popular. A sua obra era contemporânea, e as pessoas gostavam de música contemporânea. A música popular era a música contemporânea.

Quem não gostava de Mozart eram os saudosistas, os tradicionalistas, os caretas. O povo gostava da música do seu tempo. Sempre foi assim.

Pelo menos até o século XX, quando criou-se uma separação entre o que convencionou-se chamar de popular versus erudito. E dentro do erudito ainda criou-se o popular e o menos popular. O romantismo é popular; o moderno, não. Chopin embala, Stravinsky assusta. Mas Chopin nunca causou repulsa na sua audiência. Na estreia da Sagração da Primavera do compositor russo, em Paris, a plateia se revoltou, xingou, jogou tomate. Programações modernas, dodecafônicas ou contemporâneas são hoje reservadas a seletas audições e raras gravações.

Com o começo do século XX e os primórdios do cinema, a música tornou-se parte integrante do discurso, e grandes maestros, nos Estados Unidos, brilharam nos estúdios, transcrevendo e regendo trilhas “clássicas” que imortalizaram os grandes compositores do passado. Foi com o cinema também que nasceu a fama planetária, os fã-clubes, a histeria de massa que contaminaria todas as expressões humanas. Junto com o star-system, sacramentou-se uma diferença entre a música mercadológica, marqueteada, simplificada a poucos acordes, ritmos e textos para galvanizar mais e mais pessoas e aquela mais complexa, evolutiva, para poucos.

A dos milhões virou música jovem; a outra, velha, mesmo se for mais contemporânea do que a primeira.

Vivaldi até colava para seduzir os targets de um sabonete, ou La Folia para um jeans.

Hoje, nem isso parece adequado. Tem sons mais novos, mesmo que muito, muito mais velhos na sua estrutura e sonoridade, que podem virar hits em questão de segundos, se a banda for bem novinha, bem ignorante, bem loira, bem magrinha, bem inglesa, holandesa, islandesa.

No século XXI, careta é quem gosta da música do seu tempo.

3 thoughts on “Careta é ser contemporâneo

  1. Yes and No.
    Of course, Mozart in his youth was held up by journalists, philosophers, royalty etc. as a symbol of God’s grace. As Maynard Solomon writes in his brilliant biography,
    “Mozart was seen, then, as a superlative example of the child’s unlimited potentiality for creative and moral development, which could be unlocked by enlightened upbringing. The most famous musical prodigy in history, he was marked from the outset as the quintessential, perfect child. In an extraordinary series of triumphs, he was received, feted, and honored by the royal families of Europe – the king and queen of France, the empress of Austria and her son Emperor Joseph, the king and queen of England – and Pope Clement XIV himself. Mozart and his family were showered with money and expensive presents. He was kissed by empresses and petted by Marie Antoinette. And all because he was a gifted child, one who not only could perform wonders and miracles but was the very incarnation of a miracle, one whose small body exemplified the infinite perfectability of the child and, by inference, of mankind.” (p.4)

    So whether or not we can really say that the star system is new to the 20th century is not clear.
    There has always been a fascination with prodigies, stars, celebrity.
    In fact later in his life people could be indifferent to Mozart’s music.

    And as Mozart pushed the boundaries of musical thought, he met with much criticism. What is sad about contemporary music today is that very few people pay attention to it anymore. At least whether he was criticized or not, Mozart was discussed and listened to.

    Today, “erudite” music is simply not discussed anymore – a great loss that began in the mid 20th century and continues today. To redress this, it is the responsibility of composers and musicians to show the public that this contemporary music communicates with the same passion that Mozart’s did (with such immediacy) in his time. And it is the responsibility of the public today to become curious once again.

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