A sustentável leveza de um clique

O problema da humanidade é o descarte. Como somos animais muito inteligentes, a gente começou a substituir “fisicalidades” por virtualidades etéreas. Do óbvio ao menos evidente.

Por exemplo, trocamos as cartas, os cadernos, as canetas, pelos correios eletrônicos. Trocamos os livros, as enciclopédias, pelas bibliotecas virtuais. Tudo muito simples de armazenar e num clique, a gente pode descartar tudo que já precisou de um suporte físico para existir. Um mero apagão pode apagar obras que se propagaram por séculos, que levaram anos para serem escritas e compostas. Descarte econômico, sem vestígio nem efeito colateral.

Mas também estamos substituindo outras insustentabilidades. Por exemplo, as relações humanas. Nossas redes aumentam na exata proporção da nossa incapacidade de interface presencial. Quanto mais gente conhecemos, menos podemos e também queremos presença, toque, intercâmbio físico. Trocamos smiles que querem dizer beijo, choro, raiva e alegria. Simples, econômico e, acima de tudo, maravilhosamente descartável.

Na Montanha Mágica, Hans Castorp passa 30 páginas para ter coragem de dizer bom-dia para uma moça que, como ele, se trata no sanatório. Mas ele não consegue muito mais do que um sorriso. Um sorriso que durou semanas. Que trampo, coitado! Se ele tivesse o Facebook da moça, eles já estariam namorando na primeira linha. Na obra, não rola nada entre os dois. Se fosse no Skype, eles teriam transado na primeira ligação. Hans teria tido muitas outras namoradas, teria distribuído milhões de beijos e, acima de tudo, teria maravilhosamente descartado todas, num clique.

Viva o mundo descartável.

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