Varejional ou Institurejo?

Imaginemos que nosso cérebro seja composto de compartimentos independentes, gavetinhas à nossa disposição para serem abertas e fechadas quando assim desejarmos.

Para simplificar, vamos supor que só existam duas: a gaveta de miudezas do nosso cotidiano, administrada pelos nossos reflexos, nossos valores, nossas picuinhas, nossos sonhos, nosso todo dia; e a nossa gaveta comercial, gerida pelo nosso bolso, nossa carteira, nossa grana, nossa falta de grana, nosso excesso de grana ou nossa possibilidade de mais grana.

Quando estamos assistindo à novela na televisão, a gente está com a gaveta das miudezas abertinha, alimentando-se ávida ou sonolentamente dos dramas, das graças, das sabedorias. Daí vem o “plim-plim”, que nos ajuda a rapidamente fechar essa gavetinha e abrir a outra, a do bolso. E pronto, enfiamos ali as ofertas, o novo produto, a mensagem toda emocional ou cheia de graça para comprar aquilo lá que está no pack shot.

Se fosse simples, seria mais ou menos assim.

Só que também aprendeu-se que a propaganda, quando é boa, é capaz de abrir também a gavetinha das miudezas, simultaneamente. É da capacidade que temos de acioná-la, apesar do “plim-plim”, que podemos entrar nos inefáveis impulsos do cotidiano das pessoas. E bingo, vão usar a grana da outra gaveta para encher a gavetinha das miudezas.

E se fosse mais complicado? E se as pessoas não tivessem essas gavetinhas aí? Só tem uma gavetona toda bagunçada em que as coisas da vida se misturam com as coisas da grana.

A má notícia é que é mais ou menos assim mesmo que a gente funciona e é justamente por isso que a propaganda pode ser tão inteligentemente bem-sucedida ou vergonhosamente fracassada.

Mas ainda tem gente que pensa que as pessoas são compostas de vasos não comunicantes e fazem ora propagandas para vender (as tais comunicações de varejo), ora propagandas para emocionar (as tais comunicações institucionais). Nas primeiras, já que estou falando com a gaveta da grana, tem que ter grana. Nas segundas, já que estou na gaveta do coração, tem que ter emoção.

Confuso, né?

10 thoughts on “Varejional ou Institurejo?

  1. Muito bom, já está mais do que hora de deixar essa separação burra de lado. Será possível chegarmos lá? Luto todo dia por isso no meu trabalho. Profissional sério mesmo – praticante – nem pensa nesse tipo de maniqueísmo. Quer coisa mais vendedora do que um anúncio emocionante? Tão mais humano. Tão óbvio. Tão raro…

  2. Acredito que se um dia o varejo conseguir fazer e traduzir sua propaganda em uma institucional, as que sempre viveram de institucional vao ter que começar a fazer varejo.

    Bem no sentido dado ao título mesmo!
    Se existem essas duas gavetinhas separadas, somente a propaganda é responsável por abri-las.

  3. Penso que eu dia não sentirei mais as malevas do dinheiro, do mercado. Palavra mais maldita que essa são poucas.

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