O gerúndio da mídia

Vivemos um momento de extraordinária ebulição na mídia que ninguém é capaz de apreender ou explicar. Para não ficar no já desgastado padrão de comparação “Mídia tradicional” x “Nova mídia” que se refere basicamente à oposição de plataformas “Erráticas” x “Dinâmicas” ou a práticas editoriais distintas “Broadcast” x “Colaborativas”, a atividade vulcânica do debate é proporcional à velocidade com que novos comportamentos no consumo de mídia se tornam hábito. E, evidentemente, a “radicalidade” dessas transformações – todas interrelacionadas – tem profundos impactos na organização de toda uma indústria muito habituada à autocrítica e pouco afeita a mudanças práticas.

– Borboleteando

O consumidor de mídia não tem mais nem tempo nem paciência para acomodar-se aos ritmos de apuração e produção tradicionais. Sua capacidade de pesquisa é inversamente proporcional a sua voracidade: qualquer busca tem de ser atendida num piscar de cliques, e quanto maior essa velocidade, mais rápido o consumo. Ele quer muito e muito rápido, como se fosse morrer no final de todo dia. O nó górdio que os produtores de conteúdo não conseguem desatar é como atender a essa escalada de superlativos. Como equilibrar um investimento em estrutura de produção com uma demanda tão exigente e fugaz ao mesmo tempo?

– Franqueando

O consumidor de mídia nunca entendeu direito por que certos conteúdos custam e outros não. Ele não percebe com clareza qual é a moeda que lhe paga a audiência que ele gera. Isso se intensificou obviamente com a explosão indiscriminada e desregulada do acesso a conteúdos que ele considera bons e gratuitos na Internet. A televisão aberta e o rádio ainda permanecem as únicas mídias “tradicionais” tão transparentes quanto a Internet: a audiência é remunerada pelo conteúdo, e o conteúdo é remunerado pela audiência. O pacto está quebrado com a mídia impressa e é nela que se concentra a maior das crises.

– Verdadeando

O consumidor de mídia já não crê mais na verdade, mas nas verdades. Ele entende ou intui a intenção ideológica por trás de cada produção, de cada opinião, de cada apuração. Assim, ele adere ao princípio de que a verdade é um processo multifacetado, é uma construção colaborativa, é um gerúndio. Isso não significa que ele despreze a qualidade. Ao contrário, ele crê na temporalidade, na efemeridade das verdades que se sedimentam com o filtro do tempo e da unanimidade. Assim, o compromisso de um veículo de comunicação desloca-se. Sua reputação passa a ser assegurada não mais por uma verdade “comprovada”, mas pela capacidade plural de debater verdades “temporárias”.

Antes das discussões acaloradas e infrutíferas sobre modelos de negócio que sejam capazes de enfrentar a dilaceração das audiências que não querem mais pagar e desprezam a pretensa autoridade das grifes de mídia, a questão central é obviamente de reforma cultural no seio dos veículos.

Antes de lamentar, rebelar-se e unir-se em torno de pactos desesperados e de pressões institucionais, mais vale reestabelecer transparência na relação entre produção e consumo de conteúdos.

A corrente parece ir muito mais na direção da reciprocidade: toda audiência e toda colaboração serão remuneradas.

Para ser capaz de atender à demanda feroz por mais e mais conteúdos, parece ser mais efetivo responder com semelhante ferocidade, explodindo, terceirizando e universalizando a produção. Colaboração remunerada, evidentemente, na proporção da audiência que ela gera.

Os veículos transformam-se assim em hubs editoriais que viabilizam a comercialização publicitária dos conteúdos gerados pela miríade de criadores independentes que negociam “a quem mais der” ou sem nenhuma exclusividade suas produções.

Estabelece-se de volta um pacto claro de toma lá dá cá com as audiências que também são, no limite, elas mesmas produtoras.

Por fim, como conciliar os interesses de um ocaso ainda muito rentável e uma competição muito dinâmica, agressiva e monopolizadora? Parece não haver nenhuma saída a não ser o enfrentamento com aporte de recursos proporcionais aos desafios e alianças muito estratégicas.

Parece não haver outra possibilidade a não ser uma faxina profunda e radical de mentalidades.

Publicado originalmente no jornal Meio & Mensagem de 20/09/2010

4 thoughts on “O gerúndio da mídia

  1. E eu já fico sentindo saudades do bom e velho bom conteúdo, remunerado, pago pelo consumidor e pela mídia. Me parece que o grande risco é o mercado se perder nos intermediários (ou infomediários) e acabar esquecendo que sem bola, nao tem jogo. Sem conteúdo, nao tem audiência.

    Mesmo o consumidor que produz conteúdo precisa de – no mínimo – inspiração, referência, fato e aquele tipo de coisa “velha e ultrapassada” que se escreve nos jornais e revistas.

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