Monthly Archives: October 2010

Site de marca: perda de tempo

A sabedoria do consumidor está na capacidade de nos chamar de idiotas se fazendo passar por um.

Pesquisador: Quando você pensa na marca X, como você a imagina na Internet?
João: Ué, mas X não é para beber?

Ainda que essa resposta pudesse ser exatamente a mesma se tivéssemos feito a mesma pergunta 40 anos atrás referindo-nos à televisão, temos um pequeno insight.

A Internet nasceu, tomou biotônico e cresceu como promessa facilitadora.

Quando ela nos ajuda a descobrir como se faz um pão de ló, ela é imbatível. Quando nos permite comparar cré com cré, é muito útil. Quando a gente pode comprar ingresso antecipado para qualquer sucesso de pipoca e gritaria, é um alívio. Quando descobrimos que é possível encontrar pessoas para além do clube, do trabalho e da escola, a Internet cura todo provincianismo atávico. Quando a gente não quer micar na sexta à noite e zerar o fim de semana inteiro, se jogar na Internet é um bom começo.

Síntese do beabá: a Internet é um trampolim de vida lá fora.

Mas e a marca X? De beber, de lavar roupa, de vestir, de dirigir, de pegar dinheiro?

Em vez de jogar o cara lá fora, pra beber, pra lavar, pra desfilar, pra esmerilar ou gastar, vamos inventar moda e parafusar a bunda do cara na frente do computador com falácias de engajamento ou outras histórias pra boi dormir.

Perdemos um tempo doido criando doideiras na Internet.

Mas esquecemos que, salvo patologias nipônicas, as marcas deveriam, antes de todas as pirações online, jogar nego no off.

E todo o resto, todo o resto, é só publicidade.

Conhecimento não é search engine

Dizem que a memória cultural das pessoas não passa de 5 anos. Isso significa na prática, e na média, que as referências das pessoas se limitam ao que aconteceu no mundo nos últimos 5 anos. Em outras palavras: nada.

Se essa aterradora constatação for verdadeira, então de que adianta toda a tecnologia? De que adiantam os entusiasmos com o mundo moderno?

Esse mundo aí, no qual esperamos viver cem anos, é oleaginoso e paira na superfície ao sabor de prazeres passageiros. É o mundo dos verbetes tagueados, do conhecimento resenhado, dos tutoriais no YouTube, das traduções digitais. Parece que a tecnologia, de tanto preocupar-se com simplificações, simplorificou demais.

Nessa vibe, podemos redefinir o que é criação. Antes diziam-nos que não havia criação sem repertório, sem conhecimento. Para resolver essa parada, resolvemos colocar todos os repertórios online. Fácil? Quem disse? Está tudo lá, nas profundezas da grande rede. Mas como nos rios poluídos, é a merda que emerge. É a merda que se consome, ávida e cegamente.

A memória cultural das pessoas se nutre da superfície. A criação, idem.

A Internet ainda é coisa de rico

Todos os dias, pipocam pesquisas sobre a Internet no Brasil. Em parte, síndrome de primo pobre que precisa esbanjar; em parte, complexo de filho do meio, entre o xodozinho da mamãe e o filho pródigo do papai.

É evidente que temos particularidades, que somos mais pujantes do que parecemos, que precisamos de muito esforço para enxergar através da nuvem de preconceitos mal assumidos que banham o país. No entanto é importante não perdermos a lucidez por trás da pílula dourada para gringo ver.

E toda pesquisa sobre Internet no Brasil se utiliza do discurso favela-chic para iniciar suas presumidas quebras de paradigmas: a classe C constitui a massa de pessoas interneticamente incluídas. Também pudera. O Brasil é classe BC. Só falamos em classe AB porque não tem como juntar a A com nada já que ela é tão pequena que sumiria das nossas pesquisas. Criamos essa quimera de que existe uma classe AB que é diferente da classe C. No fundo existe uma classe BC, colossal, que é diferente da A. E a A não interessa a nenhum segmento econômico relevante.

Pois se é a classe C que interessa, é natural que a Internet só possa existir se ela puder atingi-la. Nem se trata mais de um chiste no preconceito da elite porque essa tal classe é hipercool. Nem gringo paraquedista se impressiona mais com a imagem das favelas que cercam o condomínio de alto luxo.

Mas a verdade que carecemos enfrentar hoje, vencido o deslumbre, é que os maiores pontos de acesso à Internet no país são fora de casa, porque é lá que a tal da classe C pode, consegue, tem grana, para acessar. E não se poderá falar de democratização de acesso à Internet enquanto não conseguirmos vencer os pífios e estagnados 25% de acesso domiciliar.

O acesso fora de casa tem particularidades importantes, e uma das maiores é o tempo tarifado. Pessoas que acessam a Internet fora de casa têm menos tempo ou o tempo delas custa (caro). Quem já viu o comportamento típico de uma pessoa que acessa a Internet numa lan-house entende: muitas janelas simultâneas e foco dividido. Ler, nem pensar, ver vídeos de mais de 10 minutos, nem pensar, pesquisar a fundo, nem pensar. Já que o tempo custa, melhor fazer o que instintivamente importa, ou seja, xavecar nas redes.

E mais, se correlacionarmos por exemplo a compra on-line com o local de acesso, iremos imediatamente verificar que as pessoas não compram na Internet (ou muito pouco) fora de casa, por razões óbvias (tempo de comparação, receio da falta de segurança dos meios de pagamentos etc.).

É mais do que hora de pararmos com as excitações precoces: o Brasil é surpreendente mas estamos longe de ser um país digitalmente maduro. Muito longe.

A Internet descansa em paz

A Internet é o palco das mais divertidas ingenuidades. De apavorar Pasteur.

Geração espontânea é o princípio que rege muitas iniciativas e crenças, individuais e comerciais.

Acredita-se que a reputação pode ser construída sem esforço, por obra e graça do espírito da rede. Basta conectar-se e jogar seus fermentos de genialidade aos bits. É essa crença que anaboliza as redes sociais, os blogs, em particular os microblogs.

Acredita-se que é possível ser seu próprio veículo de comunicação, por concessão do onipresente universo virtual. Basta conectar-se e expelir seus fascinantes conteúdos às sinapses da Internet. É esse credo que excita as marcas e as agências de comunicação.

A multiplicação das mensagens, quaisquer que sejam, estaria garantida pelo mágico dínamo. O sucesso é uma questão de tempo, e não de esforço.

No entanto, a realidade é bem mais prosaica: estima-se que mais 80% de todo o conteúdo dos servidores conectados, mundo afora, esteja às moscas. A Internet, que idealizamos como um fervilhar histérico de informações fluindo para todos os lados, é, no fundo, um imenso cemitério, em que almas penadas trombam incidentalmente ao sabor da insônia de alguns, da ociosidade de outros, da vaidade de muitos.

Infelizmente, é preciso muito esforço para construir uma reputação e muito dinheiro para construir uma marca. Na Internet como em qualquer outro lugar.

“Em se plantando tudo dá” é a quimera de poéticos deslumbrados.

Por que não ganhamos dinheiro com a Internet?

Todo malabarismo de retórica é uma estratégia de convencimento que pode garantir incrementos de mark-up.

Toda resenha de marketing, todo discurso de guru e todas as pílulas de sabedoria dos profetas twitteiros podem ser uma forma inteligente de confundir para reinar.

É mais ou menos o que acontece com as (nem tão) novas teorias de comunicação recém-paridas com a Internet.

São os Branded-content, transmídia, story-teller, co-creation, colaboration, todos avassalados pelas self-mídias (tipo Orkut), pelas plataformas agregadoras de conteúdo (tipo YouTube) e pelas ferramentas de busca (tipo Google).

E quando inventaram fórmulas místicas para medir engajamento (um jeito mais trendy de falar fidelização e preferência) à luz da transversalidade das mídias (um jeito mais hype de falar em integração das mídias), das duas uma: ou sucumbimos ou viramos reacionários. Ou entramos no turbilhão novidadeiro ou negamos a evolução.

É por isso que de vez em quando é legal parar de rebolar e falar português. Sem medo de ser redundante.

Existe uma fronteira nítida na atitude fundadora do consumo das mídias ditas passivas (velhas) e das ditas ativas (novas).

Nas mídias velhas, os conteúdos de comunicação são submetidos aos públicos com poucas, ou retardadas, possibilidades de interação. O hábito prevalece sobre a qualidade dos conteúdos. Na TV, na revista, no jornal, no rádio, o hábito determina o ativo de audiência que os  veículos comercializarão. É essa audiência que a propaganda compra. É esse hábito que compramos.

Já nas mídias novas, na Internet, qualquer que seja sua plataforma, inclusive naquelas que reproduzem os formatos tradicionais (por exemplo, em um portal ou um site de jornal), mas principalmente nos novos formatos (por exemplo, numa ferramenta de busca, numa rede social, num agregador de conteúdo), todo conteúdo está à deriva para ser buscado. E muitos são esses conteúdos na infinita geleia digital. E também infinita é a volatilidade das audiências. Infinita e imprevisível. A qualidade prevalece, portanto, sobre o hábito. Na Internet, é a qualidade do conteúdo que a propaganda deveria comprar.

Nas mídias velhas, a audiência é um número. Compram-se dez, vinte, trinta milhões de pessoas impactadas por um conteúdo, três, quatro, cinco, cem vezes em sete, trinta, trezentos ou sessenta e cinco dias.

Nas mídias novas, a audiência é uma apreciação. Compra-se um conteúdo ótimo, bom, regular, ruim, por exemplo, inclusive porque é a partir desse tipo de critério qualitativo que se pode esperar a intangível (e inquantificável) arma da viralização.

Esse tipo de raciocínio, em bom português, embola o meio de campo.

Nas mídias velhas, faz todo o sentido atribuir-se um preço prévio pela audiência, porque ela é determinada pelo hábito. Nas mídias novas, só se pode fixar um preço pós fato pela audiência, porque ela será determinada pela qualidade do conteúdo “veiculado”.

As agências de propaganda são remuneradas, historicamente, por uma porcentagem do volume de mídia investido pelo cliente. Em outras palavras, uma agência é remunerada por um tiquinho da audiência que é vendida  para os anunciantes. É simples de calcular porque a audiência é herdada.

Nas novas mídias, essa equação não funciona, mesmo considerando que existem mídias velhas nas novas (que vendem audiências presumidamente herdadas).

Como é impossível atribuir-se um valor unitário à qualidade de um conteúdo (nenhuma fórmula é justa), só podemos estabelecer um variável sobre a audiência futura gerada. Em outras palavras, trata-se de uma lógica reversa que determina um preço prévio por “unidade de audiência alcançada” com o conteúdo criado pela agência. É um compromisso de longo prazo, já que um determinado conteúdo, uma vez veiculado, tem uma vida, no limite, infinita.

Nas mídias velhas, a agência é fornecedora do anunciante. Nas novas, somos sócios.

Enquanto insistirmos numa equação de remuneração de mídia velha em mídia nova, continuaremos pedalando no chucrute.

(Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem – edição de 25 de outrubro de 2010)

A rede não é criativa

A coletividade é uma beleza. Ela parte do pressuposto de que muitas pessoas trabalhando juntas, ligadas por uma rede, acabam produzindo resultados melhores. A democracia é assim. As pessoas votam em seus representantes que constituem os nós da rede que se alimenta dela. Uma linha de montagem é assim também. As pirâmides foram construídas assim.

A Internet não inventou o princípio. Só aplicou essa lógica à informação, mas redes elétricas, de distribuição de água, irrigação, estradas, esgoto, desde os romanos, já aplicavam o princípio.

Mas, assim como existe uma correlação direta entre quantidade de conexões e qualidade do sistema, não existe nenhuma correlação comprovada entre essa lógica e a qualidade dos fluxos. Ou seja, uma rede azeitada, funcionando, garante fornecimento de energia, de água, de carros e o despejo de cocô. Uma Internet garante o fornecimento e despejo de informação. No entanto uma rede não garante, por exemplo, que a qualidade da água seja boa, muito menos da informação.

Por outro lado, não existe correlação direta entre rede e criatividade. Se podemos acreditar que não existe criatividade sem repertório e inspiração – nem conhecimento, nem humanidade – no entanto, um milhão de pessoas limitadas conectadas e trabalhando juntas produzirão resultados também limitados. Dez milhões de pessoas burras trabalhando juntas vão criar coisas burras, pois é da lógica da rede, também, o mínimo denominador comum. O produto de uma rede de colaboração nunca será o máximo denominador comum.

Acreditar em colaboração coletiva não significa desacreditar na capacidade individual. Quando o assunto é criar, a união não faz necessariamente a força.

Ainda haverá, sempre, o criador isolado, só, sem celular nem internet, sem Wikipédia, sem YouTube, sem bibliotecas sofisticadas, sem rede.

O quantum leap criativo não se dá como produto do browser obsessivo atrás de referências e pedidos de socorro.

A criação ainda é o produto da reflexão desplugada e do solilóquio referenciado por um mar mental de repertório, influência e musas.

A boçalidade do Twitter

Já se disse que o inferno são os outros. Mas Sartre não conheceu o Orkut, o Facebook, o Twitter. Se ele observasse o mundo de hoje, ele diria o contrário: o paraíso são os outros.

Ninguém é capaz de autoavaliação, a não ser através do olhar dos outros. Isso não tem nada de novo. Mas, como falamos de plataformas digitais, o fermento escancara as verdades mais dissimuladas.

Assim como o turista esfomeado fotografa mais do que vê, o usuário incontinente de rede social posta mais do que pensa.

E nessa corrida multiatarefada pela mais nova frase ou imagem de efeito, qualquer reunião de pessoas minimamente digitalizadas vira uma caçada de promoção individual. As pessoas instrumentalizam todas as interações com o único propósito de repercutir e colher um ricochete benéfico: “Se eu postar isso ou aquilo antes dos outros, vão me retwittar.”

Em nome da democratização acelerada, ninguém quer entender nada mais longo do que 140 caracteres. Reinventam as regras de abreviação, castram o estilo, decapitam a ornamentação. É a literatura do aforismo simplório, com trocadilhos e contradições de impacto. Quem lê Proust é javanês. Em nome da criatividade colaborativa, ninguém entende imagens que não sejam conceituais, em chulas associações de símbolos óbvios, forçados e manipulados. Quem aprecia Velásquez é marciano.

Em nome de muitos eufemismos, a ejaculação intelectual bate recordes de precocidade. Quanto mais rápido formos, mais relacionamentos e quanto mais relacionamentos, mais reputação. Um dia, parimos a primeira simplificação estúpida e nunca mais paramos.

Tomara que alguma frase desse post repercuta. É um bom exemplo.

Eu quero ser classe C

– Estou em crise
– Por quê?
– Me sinto deslocado
– Como assim?
– Cada vez que faço um comentário sobre um filme, uma notícia, um produto, qualquer coisa, me respondem sempre: “ah, mas isso não é para você”.
– É para quem?
– É para a classe C, me dizem. A classe C pra cá, a classe C pra lá, a classe C entende, a classe C precisa, a classe C consome, a classe C come, bebe, dorme com a sua própria classe C. Estou cheio. Quero virar classe C!

O Brasil viveu uma ilusão de modernidade. Para alguns. Poucos. E o Brasil vivia também uma desilusão de progresso. Para outros. Muitos.

O dorminhoco era criativo e se acomodava assim. Do lado de cá, a gente lia os jornais e a Veja. Um dia seremos, um dia chegaremos, um dia Stefan Zweig! Do lado de lá, sei lá! Não importava: aumentava-se o bolo para que comam mais. Essa era a tese. Dividir o bolo? Inviável!

E sabe-se lá por que milagre ou maldição milhões de pessoas, anônimos da silva, qual invasão de náufragos esfomeados, mostraram a cabecinha.

– Meu Deus, quem são eles? O que querem? O que querem, me pegar?
– Relaxa, a Veja te protege.

A História acabou com Hiroshima, deu um soluço improvável em 11 de setembro e soçobrou definitivamente na quebra do Lehman Brothers. Só a Veja ainda acredita em revolucionário.

– Meu Deus, essas pessoas! São muitas, muita gente quer dizer muitos consumidores.
– Muitos consumidores quer dizer muitas vendas.
– Muitas vendas quer dizer muitos lucros.

E assim fez-se.

A massa invadiu e, da noite para o dia, como sempre, viramos capitalismo e economia de mercado. Aos trancos, barrancos e trapalhadas. Com décadas de atraso a gente vai ter que aprender, vai dar trabalho, mas quem sabe um dia a Piauí vira a Veja de outrora. Insha’Allah!

O Apartheid entre as mídias ditas novas e as “mal ditas” velhas

Passamos um bom tempo, nos últimos 10 anos, tergiversando para as novas mídias, sobre a mudança de consumo dos meios de comunicação e sobre o impacto que a Internet tem sobre a forma como eles são consumidos.

Entusiasmos e ceticismos à parte, a originalidade desse discurso virou lugar comum.

Assim, desfilam diuturnamente pastas recheadas de belos cases online. E como todo social-climber que regurgita sua declaração de renda para dourar seu sucesso, os números de visitas, usuários, views, bounce-rate, time on site, conversão etc. determinam a qualidade do trabalho. O números pontificam o sucesso. É como aquelas cintas que indicam “mais de um milhão de livros vendidos em todo o mundo” nos livros que mais um milhão comprará justamente por isso. É como se a televisão estampasse no canto da tela o número de televisores ligados on-line.

Mas assim como nem todo mundo lê os best-sellers que compra, assim como nem todo mundo assiste à TV que liga, nem todo mundo aprecia os conteúdos contabilizados com pompa e circunstância no YouTube.

As mídias novas ainda pautam seus argumentos comerciais de forma quantitativa, exatamente como as mídias ditas velhas.

Será que assim dá para poder comparar? Será que ainda precisam equalizar uma espécie de disputa de investimentos entre as diferentes mídias?

No entanto, ainda que possamos justificar a simplificação para fins didáticos, o que acelera a tomada de decisões cada dia mais precoce, essas análises esquecem ou ocultam uma fronteira nítida na atitude fundadora do consumo das mídias ditas passivas (velhas) e as ditas ativas (novas).

Nas mídias velhas, na TV, na revista, no jornal, o hábito determina o ativo de audiência. Os conteúdos são submetidos aos públicos com poucas, ou retardadas,  possibilidades de interação. Os conteúdos são achados por força do hábito. Nesse caso, faz muito sentido quantificar a audiência: são tantos milhões de pessoas do target impactadas. A volatilidade dos públicos é previsível. Sua fidelidade, idem.

Nas novas, na Internet, é a vontade que determina a audiência Os conteúdos estão à deriva para serem buscados. E muitos são esses conteúdos na infinita geleia digital. Na Internet, a qualidade dos conteúdos não pode mais ser mensurada quantitativamente. Ou não apenas. A volatilidade dos públicos é infinita. Sua fidelidade, imprevisível.

Nas mídias antigas, a qualidade do conteúdo determina a audiência futura. Mas a audiência de hoje (que se vende) é a audiência do hábito, portanto, deve e pode ser vendida de forma quantitativa.

Já nas novas, a qualidade do conteúdo não determinará a audiência futura. A audiência de hoje (que vale) é a audiência daquele conteúdo, portanto, não pode ser vendida de forma (apenas) quantitativa.

Twitter is tiny in Brazil and Facebook is tinsy

Contra dados não há argumentos e a favor dos dados há manipulação.

Outro dia, divulgou-se que o Facebook na Índia já tinha ultrapassado o Orkut, mercado em que a rede social do Google também é muito popular. Precipitaram-se os analistas precoces e já declararam que isso era uma tendência. Precipitaram-se os trend-addicted para dizer que já já o mesmo aconteceria no Brasil. Berraram o sepultamento do Orkut, todos os parvenus da mídia.

O Facebook tem penetração altíssima entre jornalistas e publicitários. Isso é fato. Facebook is huge in the marketing market in Brazil: Correta a afirmação. Já no Brasil, são outros quinhentos, e o Facebook rasteja penosamente para fora do erro estatístico de qualquer pesquisa.

Agora alardearam que o Twitter tem uma penetração monumental no Brazil. Só se for nesse Brazil com Z, porque no nosso, só é grande a tagarelice dos twitteiros tupiniquins porque dizem que temos o maior número absoluto de postagens do mundo.

A pesquisa que anuncia uma penetração do Twitter de quase 25% considera também a população de pessoas com acesso à Internet no Brazil (com Z) em pouco mais de 40 milhões. Mas o Brasil só tem Z para quem pontifica sobre o país de binóculo embaçado.

A população com acesso à Internet no Brasil (com S), essa sim é huge. Deve beirar os 90 milhões. É mais huge ainda se ponderarmos pela renda per capita brasileira. Nesse caso, deve ser a maior do mundo disparado.

Então ficamos assim: o Twitter tem penetração tiny no Brasil com S e só é huge mesmo, por enquanto, na teeny-weensy população de quem cacareja no twitter para seu teensy grupo de seguidores.

A Internet lasciva

Todo mundo deveria levar pelo menos três vidas. A privada, a pública e a profissional. Ou pelo menos tentar entender quais são as fronteiras entre esses três (pelo menos três) territórios nos quais evoluímos.

Embora possamos ter coerência de valores e atitudes nas três esferas do viver – essa coerência define a personalidade – existe um ranking nos quais eles se estabelecem, como prioridades dependendo da máscara que portamos.

Mas valores e atitudes são também influenciados e definidos por convenções que existem para dar ordem e sentido à vida privada, pública e profissional (e quaisquer outras que se queira ter).

Mas, sempre que as esferas se invadem, as convenções entram em um curto-circuito promovendo uma desordem promíscua, vide indecente.

Desde que a Internet abriu-se como o mais lascivo dos ambientes, em que os valores individuais são atribuídos às custas de conexões interpessoais (principalmente quantitativas), a vida privada invade a pública que invade as profissional e vice-versa pra lá e pra cá. Esse eldorado da reputação barata e fácil escraviza todos os valores e define as atitudes. E as convenções não servem mais para nada. Atrapalham.

Desde que a Internet virou o palco privilegiado de uma espécie de big-brother planetar, muita confusão tem acontecido. Isso é só o começo e muita gente ainda vai para o olho da rua por conta dessa confusão.