O Apartheid entre as mídias ditas novas e as “mal ditas” velhas

Passamos um bom tempo, nos últimos 10 anos, tergiversando para as novas mídias, sobre a mudança de consumo dos meios de comunicação e sobre o impacto que a Internet tem sobre a forma como eles são consumidos.

Entusiasmos e ceticismos à parte, a originalidade desse discurso virou lugar comum.

Assim, desfilam diuturnamente pastas recheadas de belos cases online. E como todo social-climber que regurgita sua declaração de renda para dourar seu sucesso, os números de visitas, usuários, views, bounce-rate, time on site, conversão etc. determinam a qualidade do trabalho. O números pontificam o sucesso. É como aquelas cintas que indicam “mais de um milhão de livros vendidos em todo o mundo” nos livros que mais um milhão comprará justamente por isso. É como se a televisão estampasse no canto da tela o número de televisores ligados on-line.

Mas assim como nem todo mundo lê os best-sellers que compra, assim como nem todo mundo assiste à TV que liga, nem todo mundo aprecia os conteúdos contabilizados com pompa e circunstância no YouTube.

As mídias novas ainda pautam seus argumentos comerciais de forma quantitativa, exatamente como as mídias ditas velhas.

Será que assim dá para poder comparar? Será que ainda precisam equalizar uma espécie de disputa de investimentos entre as diferentes mídias?

No entanto, ainda que possamos justificar a simplificação para fins didáticos, o que acelera a tomada de decisões cada dia mais precoce, essas análises esquecem ou ocultam uma fronteira nítida na atitude fundadora do consumo das mídias ditas passivas (velhas) e as ditas ativas (novas).

Nas mídias velhas, na TV, na revista, no jornal, o hábito determina o ativo de audiência. Os conteúdos são submetidos aos públicos com poucas, ou retardadas,  possibilidades de interação. Os conteúdos são achados por força do hábito. Nesse caso, faz muito sentido quantificar a audiência: são tantos milhões de pessoas do target impactadas. A volatilidade dos públicos é previsível. Sua fidelidade, idem.

Nas novas, na Internet, é a vontade que determina a audiência Os conteúdos estão à deriva para serem buscados. E muitos são esses conteúdos na infinita geleia digital. Na Internet, a qualidade dos conteúdos não pode mais ser mensurada quantitativamente. Ou não apenas. A volatilidade dos públicos é infinita. Sua fidelidade, imprevisível.

Nas mídias antigas, a qualidade do conteúdo determina a audiência futura. Mas a audiência de hoje (que se vende) é a audiência do hábito, portanto, deve e pode ser vendida de forma quantitativa.

Já nas novas, a qualidade do conteúdo não determinará a audiência futura. A audiência de hoje (que vale) é a audiência daquele conteúdo, portanto, não pode ser vendida de forma (apenas) quantitativa.

7 thoughts on “O Apartheid entre as mídias ditas novas e as “mal ditas” velhas

  1. Se medirmos uma adiência pelo conteúdo, podemos cair em uma amostra viciada. O que no caso da internet não é tão ruim assim, vício mostra engajamento. Mas como medir o engajamento com determinado conteúdo?
    Chutando: Pela quantidade de conteúdo produzido a partir do que foi publicado? (acho que só isso não basta)

  2. Certo. Mas, se essa audiência é imprevisível, como colocá-la num planejamento? O que levaria o investidor a optar por uma (vá lá, não consigo evitar) “nova mídia” sem saber quantas pessoas, ou quantos representantes de seu público-alvo, vão ser expostos a ela? Isso não está diretamente ligado à eficiência desse investimento? Na minha cabeça, esse é o nó que não desata na lógica sobre as mídias digitais. Essa questão está diretamente relacionada à analogia entre mídias digitais e propaganda boca a boca, sobre a qual te perguntei outro dia. Sei que soa como um sacrilégio para os apaixonados, mas – se a analogia é válida – ambas são imprevisíveis, incontroláveis e, portanto, improgramáveis. E a única forma de gerar uma onda favorável para uma marca seria tentar produzir “conteúdo de qualidade” para quem pode consumi-la. Mas, sabemos, nosso ambiente empresarial não é muito simpático a esse negócio de tentar…

  3. Concordo com o Barakat… não é simpático, mas realidade seja dita, depois de várias palestras e seminários com caras feras na área… como um ávido estudante de comunicação, cheguei a uma conclusão, as tais palestras eram menos úteis do que ler este artigo. De duas uma, ou os feras estão escondendo jogo, ou é tudo mais tentativa e erro mesmo. O que pude perceber, é que a tecnologia traz tantas opções, que não existe mais fórmula eficiente de mensura, pois as fórmulas caducam muito rápido, mais rápido que a própria eficiência em utilizar uma nova mídia. Oque as agências têm feito é montar um pacotão onde você fatalmente vai perder de algum lado mas será compensado por outro… E mais valorizado será o profissional que tiver um melhor rating nos cases em que participa, ou é responsável. Enfim… minha unica certeza é que existe muito mais caos, do que se vende por aí, mesmo nos maiores casos de suscesso.

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