A rede não é criativa

A coletividade é uma beleza. Ela parte do pressuposto de que muitas pessoas trabalhando juntas, ligadas por uma rede, acabam produzindo resultados melhores. A democracia é assim. As pessoas votam em seus representantes que constituem os nós da rede que se alimenta dela. Uma linha de montagem é assim também. As pirâmides foram construídas assim.

A Internet não inventou o princípio. Só aplicou essa lógica à informação, mas redes elétricas, de distribuição de água, irrigação, estradas, esgoto, desde os romanos, já aplicavam o princípio.

Mas, assim como existe uma correlação direta entre quantidade de conexões e qualidade do sistema, não existe nenhuma correlação comprovada entre essa lógica e a qualidade dos fluxos. Ou seja, uma rede azeitada, funcionando, garante fornecimento de energia, de água, de carros e o despejo de cocô. Uma Internet garante o fornecimento e despejo de informação. No entanto uma rede não garante, por exemplo, que a qualidade da água seja boa, muito menos da informação.

Por outro lado, não existe correlação direta entre rede e criatividade. Se podemos acreditar que não existe criatividade sem repertório e inspiração – nem conhecimento, nem humanidade – no entanto, um milhão de pessoas limitadas conectadas e trabalhando juntas produzirão resultados também limitados. Dez milhões de pessoas burras trabalhando juntas vão criar coisas burras, pois é da lógica da rede, também, o mínimo denominador comum. O produto de uma rede de colaboração nunca será o máximo denominador comum.

Acreditar em colaboração coletiva não significa desacreditar na capacidade individual. Quando o assunto é criar, a união não faz necessariamente a força.

Ainda haverá, sempre, o criador isolado, só, sem celular nem internet, sem Wikipédia, sem YouTube, sem bibliotecas sofisticadas, sem rede.

O quantum leap criativo não se dá como produto do browser obsessivo atrás de referências e pedidos de socorro.

A criação ainda é o produto da reflexão desplugada e do solilóquio referenciado por um mar mental de repertório, influência e musas.

4 thoughts on “A rede não é criativa

  1. Hummmmm… pode ser pior. Na Internet, os “nós” não são mera passagem do fluxo, mas componentes ativos do conjunto. Portanto, influem no resultado final. Quase por definição (elitista, reconheço), o que é gerado colaborativamente por uma multidão de despreparados será algo que valida o despreparo. E, reproduzido ao infinito, pode obscurecer, ou simplesmente suprimir – matando por sufocamento – aquilo que escapa à percepção, ou ao gosto, da “comunidade” original. Inclusive contribuições para melhor. Sou a favor da colaboração, claro, mas também tenho medo dela. Sofro de dúvidas entre o sentimento democrático de “todos criam” e a tentação autoritária de “se você não é bom, não se meta a criar”. No campo das ideias, do conteúdo, talvez a dificuldade primordial seja a esfingiana definição sobre o que é qualidade, e para quem. Qualidade é o que funciona? Nem sempre. É o que está restrito a poucos? Não necessariamente (seria ainda mais elitista). Alguém aí sabe? Eu não sei. Só acredito também, e ainda, e profundamente, que a criatividade em que mais acredito nasce do exercício único de ampliação realizado por UM indivíduo.

  2. “A criação ainda é o produto da reflexão desplugada e do solilóquio referenciado por um mar mental de repertório, influência e musas.” = Solitude

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