Não gostamos. Copiamos

A formação do gosto é história de uma vida e fator de referências e digestão.

O brasileiro é uma esponja de influências. Conectados e multitarefa, travestimo-nos de novidades com naturalidade e até um certo penacho. E põe penacho, adereço e brilho nisso.

Qualquer pessoa é capaz de recitar, sem gaguejar, uma penca de marcas com suas devidas apreciações qualificadoras. Qualquer micro tendência vem com tudo (e desaparece como nada) num piscar de olhos. É só pintar na referência do momento (na revista, na televisão, no jantar, no braço do ídolo) que já dá comichão no bolso e estimula malabarismos financeiros para possuir o ícone.

Culpávamos a mídia pelo bombardeio e pela incontinência, mas basta levantar a orelha para perceber que o futebol não é o esporte favorito do brasileiro, mas a cópia, o pastiche, sem vergonha nenhuma.

9 em cada 10 pretensos arquitetos ganham a vida como decoradores e transformam as casas dos brasileiros em album de figurinha. 9 em cada 10 pretensos estilistas ganham a vida inspirando-se profundamente nas referências que “descobrem” e transformam as pessoas em vitrines decoradas. 9 em cada 10 pretensos jornalistas são clipadores que escrevem jornais com o charme de um painel de aeroporto. 9 em cada 10 pretensos publicitários (talvez 10 em 10) são mata borrões e transformam nossa paisagem comercial num tabloide de varejo popular. Isso para ficar em alguns exemplo.

E porque temos pressa, nosso sistema digestivo desemboca, célere, numa cloaca.

E o gosto fica assim como é o nosso: igual que nem que tudo. Um gosto de soldado de chumbo, de palito de fósforo, de big brother.

10 thoughts on “Não gostamos. Copiamos

  1. essa compulsão de sempre ter alguma coisa nova para substituir a antiga e na velocidade da mudança das estações do ano , é assustadora . Tudo novo o tempo todo. Será que nos faltou consistência cultural para suportar uma bolsa velha mas faz parte da nossa historia e continuar usando …

  2. Epa, epa, epa! 10 em cada 10 publicitários não! Inclua-me fora dessa! Mas sabe qual é o problema? Pelo menos parte do problema? Eu defino assim: vc pode ter uma padaria e vender pão, e para ganhar o seu pão vendendo pão, vc pode fazer um bom pão – ou não (e colocar bromato e outras quinquilharias que fazem mal para o freguês mas dão lucro para vc). E para vender o seu pão, vc pode mentir para o freguês, dizendo que o seu pão é o mais barato e o único acessível na região, e que vc devolve o dinheiro dele (devolve nada!) se o pão não chegar crocante em casa. Ou vc pode fazer um bom pão, por um preço justo, e não mentir para ninguém, e aí talvez vc não tenha a primeira padaria do bairro, mas vive bem com o que vende e pode dormir em paz de noite. E como vc não mente, vc usa de toda sua simpatia para vender o seu pão, falando das qualidades que ele realmente tem e tratando bem o freguês. Aí, mesmo que o seu pão não seja “o” melhor nem o mais barato, vai ter muita gente indo comprar o seu pão porque vc é simpático, e honesto, e afinal o seu pão é bem gostoso. E tanta gente, mas tanta gente, que vc pode até chegar a ter a maior padaria do bairro. Mas, se não chegar, tudo bem, porque vc prefere vender o seu pão sem bromato a vender sua alma. Hoje quase todo mundo prefere vender a alma a fazer um bom pão. Por isso, o sujeito não “pensa pão”, ele “pensa bromato”. Aí, fica tudo com gosto e cara de bromato. E todo mundo fica dizendo para o bom padeiro que ele está ultrapassado, que o negócio dele é fazer o pão pelo dinheiro, e não ganhar o dinheiro via pão. Tem bom padeiro que resiste e toca a vida, um boa vida, tem uns que cansam e se aposentam e tem até uns que morrem sem ninguém para deixar o seu legado. Por isso, veja que coisa triste, está acabando o pão sem bromato – e a simpatia foi para as cucuias. Os vendedores de pão também estão ficando com gosto, cara e discurso de bromato. Acredite, eu entendo disso. Sou filho de padeiro. Viva o pão! Abaixo o bromato!

  3. tratratratra… bonito é o texto, o contexto a gente já sabe. não é p discutir, é p apreciar.

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