Acredito em trilobitas

Porque a invisível bactéria acreditou que podia se multiplicar e ser um vil batráquio, porque acreditou que podia respirar, mover-se na terra, subir nas árvores, caçar, andar sobre duas pernas, fazer e criar instrumentos, e um dia acreditar que podia transmutar a matéria, evitar e substituir Deus pelas próprias crenças.

Por tudo isso, acreditar é o Deus que nos anima.

Porque não somos mais bactérias invisíveis, porque ainda há vis batráquios vestindo-se todos os dias e acotovelando-se na lama, temos que acreditar que propaganda é cultura.

Ninguém acredita mais na propaganda que informa e muito menos na propaganda que se investe de repetição e massificação. Ninguém acredita mais na propaganda propaganda.

Nada mais bacteriano que a frase “Propaganda é feita para vender”. Nada mais batráquio do que a máxima “Propaganda é meio, e não fim”.

Quem ainda crê nisso também deve secretar seu medo de morrer antes que acabe. Porque, se for só isso, então vai acabar. Já está acabando.

A propaganda ocupa e mobília boa parte das nossas vidas, mesmo que não sejamos capazes de perceber, mesmo que sejamos capazes de separar, mesmo que sejamos capazes de bater no peito e dizer que é apenas propaganda.

A propaganda, boa ou ruim, a que vende e a que acultura, é insidiosa e contagiante. Crer que ela só serve para vender é crer também que o homem só existe para comprar. Crer que ela é só um meio é acreditar que os outros servem para nos servir.

Enquanto a propaganda for apenas propaganda, como acreditar que vamos deixar os pântanos da opressão e da cegueira?

Mas se acreditamos nos trilobitas, temos de acreditar que propaganda pode ser muito mais que só propaganda, ou já já viramos fósseis.

Texto publicado originalmente no Projeto Acredite

2 thoughts on “Acredito em trilobitas

  1. Sabe, tenho o maior respeito pelas bactérias, afinal elas são a espécie mais antiga e ainda dominante no planeta. Também acho que nem todos os batráquios são vis: noite passada, vi um sapinho danado de simpático no jardim do hotel em que eu estava de férias. E descobri que devo estar ultrapassado, porque ainda acredito que propaganda é feita para vender, mesmo que esse “vender” signifique hoje muito mais do que significava antigamente. Acredito também que é vendendo que ela passa a fazer parte da cultura. Vou além: penso que, quando não houver mais – nem for possível criar – referenciais “de massa”, aí, sim, não haverá mais propaganda (porque vem de “propagar’, não vem?). As outras associações de ideias, hoje achei meio “numas”. Mas gostaria que declarar que, pessoalmente, nunca levei fé na tal “propaganda que informa”. Acredito mesmo é na “propaganda que seduz”. E sou até meio fundamentalista. Acho que ela é a única.

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