Rede social: a festa do cabide

Nenhuma festa suporta penetra de porre. Mas se o abelhudo for cativante e educado, pode até virar vedete e roubar a cena.

Metida e petulante, a propaganda é a arte de se meter onde não se é chamado. Uma definição interessante para a boa propaganda é quando ela consegue tornar essa intromissão menos atrapalhada e desagradável.

Em mágicas situações, a propaganda honra o espaço que nos surrupia, ilustrando, ifluenciando e inspirando nossa rotina. É quando a sogra comenta com o genro: “Você viu aquela propaganda?”. Deve ser o que gostam de chamar de conteúdo para dar cartas de nobreza à profissão.

Tem muita gente que ainda entende que a propaganda é legítima convidada. Afinal, ela paga caro. Mas como nenhum convidado da festa recebe um centavo por isso, sua situação piora muito. Quem paga para aparecer comprou o título de nobre falido. É novo-riquismo, arrivismo, esnobismo, puxa-saquismo. O farsante não falsificou o convite, mas comprou o promoter que, se não enganou o anfitrião, ludibriou os convivas.

Deve-se portanto, estudar antes de driblar a segurança. Como se vestem, do que falam, o que olham, o que comem, como se portam os festeiros. É preciso adaptar-se ao ambiente e, paulatinamente, mimetizar-se. Só quando a confiança está ganha a sedução pode desdobrar-se diabolicamente.

Imagine agora que a festa não é daqueles convescotes cheios de interesses mascarados, em que a pose é mais importante que o discurso. Que a festa não é de firma, nem de negócio. A balada é convivial, entre amigos. A gente quer falar, fofocar, trocar, aprender. A gente quer tocar, amolengar, aconchegar, xamegar, afagar e, quem sabe, kcuf kcuf no final. Ou, mais careta, o  encontro existe para suprir a necessidade de sobreviver na selva do drama humano, de se segurar uns aos outros, de se atribuir relevância existencial, mesmo que fugaz, de se espelhar, de se dar gozo, de se consolar no próximo.

Imiscuir-se nessa barafunda de desejos e pulsões potencializa o desafio do penetra. Afinal de contas, o malandro tem interesses escusos. E muitas vezes quer vender enciclopédia a analfabetos.

Podemos chamar essa festa de rede social e pouco importa se ela é virtual ou presencial.

Já se disse que o prodígio do capitalismo acnegênico, Mark Zuckerberg, inventou o Facebook porque não comia ninguém. Essa é a poética das redes sociais: quem participa tem fome.

E que diabo pode uma marca patrocinar nessa suruba de potencial ou de direito?

O erro clássico consiste em nutrir a quimera de achar que nas redes sociais as marcas podem, mais naturalmente, integrar-se, fazer parte, ser atrizes antes de agentes. E a tentação é grande porque festa mais barata parece catraca livre.

Não é bem assim porque as marcas são e sempre serão, qualquer que seja a plataforma de comunicação, de agora ou daqui a pouco, intrusas.

Os esforços mais bem-sucedidos são eminentemente promocionais e como reza a ortodoxia do marketing, esse P custa muito caro.

Se uma marca não consegue intrometer-se com delicadeza, educação, inteligência e criatividade na televisão, por exemplo – festa bem mais família e comportada – não é nas redes sociais que ela vai conseguir resolver sua prática canhestra de catequese, convencimento ou engajamento. Se ela não consegue,  nas mídias ditas tradicionais, conter a gritaria, a demonstração piegas, a apelação batida, nas redes sociais a truculência fica ainda mais ridícula. E cara, caríssima, carissíssima.

É quando a tendência, sempre excitante, mascara a ferida.

Artigo originalmente publicado no Meio & Mensagem de 17/01/2011

4 thoughts on “Rede social: a festa do cabide

  1. Ótimo artigo. O paralelo é excelente para ilustrar a diferença entre as – vá lá – mídias tradicionais e as redes sociais. Mas faço uma ressalva. Na festa elegante, a primeira, há um trato implícito com os convidados: o convescote só acontecerá, só pode acontecer, só pode sair de graça para todos os outros se aquele que você chama de “penetra” puder participar. Caso contrário, o dono da festa pode não conseguir pagar nem o bufê. Então, talvez aquele cara não seja tão penetra assim. É certo que a propaganda é, primariamente, intrusiva, interrompe um prazer – às vezes até uma dor (que o masoquista quer que continue doendo). Mas é sempre bom lembrar que, invariavelmente, é ela que paga a conta.

  2. O entusiasmo por novas mídias parece de uma hora para outra ter resolvido todos os problemas da publicidade. Achei o texto incrível e bem cético quanto aos profetas das ditas novas mídias.
    Tenho um blog sobre conteúdo e acredito sim que uma humanização das marcas perante as redes sociais pode trazer resultados efetivos e de baixo custo, mas também sou realista em afirmar que é muito difícil uma campanha de “Social” vingar sem uma ação nas mídias tradicionais.
    Como bem disse Alphen, é muito mais uma questão de como você faz a propaganda do que onde você a divulga.

  3. bonito

    se um pilar ou outro é cheio de conchinha e areia da praia

    o texto desliza flue interessa

    bem bonito o som

    Parabéns

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