Declaração de intenção

Ontem, o senhor que mora em uma casa pendurada no barranco, prestes a desabar, conversava, positivo e sorridente, com um repórter solene.

– O que o senhor está sentindo neste momento de dor?
– Dor.

A obviedade é um recurso estilístico de ênfase ou é só burrice. A imprensa usa tanto esse subterfúgio para povoar suas linhas que podemos separar duas posturas claras. A primeira é a de uma imprensa partidária, ideológica. Bate na tecla que acaba entrando na caixola. A segunda é só de burrice. Às vezes as duas posturas se encontram felizes também. É a imprensa pedro-bó.

Já o positivismo pode ser uma espécie de bálsamo de sofrimento ou é só passividade. Não há nada mais comum do que uma imprensa de autoajuda, cheia de pérolas de sabedoria para os aflitos. Também tem aquela outra que relata sem opinião, sem crítica, com compaixão budista. E, quando tem as duas coisas, é o que chamamos de imprensa feng-shui.

Pra variar, poderíamos imaginar uma outra cena. Por exemplo, o repórter chega sorridente para o morador chorando e pergunta se o senhor está com fé. Ele recebe uma porrada como resposta.

Pra variar também, a válvula de escape, mal-humorada e negativa, pode ser divertida. Essa é a imprensa “bad hair day”.

4 thoughts on “Declaração de intenção

  1. “A obviedade é um recurso estilístico de ênfase ou é só burrice.” Beleza essa declaração! Queria até que fosse minha. O duro é, que para identificar a sutil diferença entre ambos, é preciso ter sensibilidade e inteligência em alguma medida desenvolvidas – o que parece estar à beira da extinção. Entre as “imprensas” descritas, tenho preferido a do cabelinho ruim.

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