Em Cordes-Sur-Ciel, no sudoeste da França, tem um edifício venerando com hera nas paredes rachadas, manchas obscuras derramando-se na fachada. O turista do midwest do Morumbi desembarca suas Goyard novas em folha, depois de uma razia excitante em Paris: “Meu Deus, vou matar minha secretária que reservou essa espelunca!”.
O hotel “Le grand ecuyer” ocupa a antiga residência de caça do Duque de Toulouse, tem oito suítes decoradas com móveis de época e um restaurante estrelado. Nosso riquíssimo industrial da construção, sua esposa sem idade definida, os dois filhos adolescentes, o personal-trainer-motorista-bilíngue e dois amiguinhos-pochete são recebidos por um maître-d’hôtel de redingote que lhes apresenta seus aposentos.
Já de robe, untando-se o pescoço com novíssimo creme bronzeador, a beldade que transpôs as vicissitudes do tempo com o empenho de um arquiteto de Las Vegas observa para o marido: “Tão chique e tão caindo aos pedaços, como pode!?”.
É reverenciada a pirâmide de influências que dá conta de que adolescentes e coroas babam ovo para os jovens da faixa etária entre 18 e 24 anos. Muitas estratégias foram desenhadas e aplicadas para colocar no centro do desenvolvimento de produtos esse público-alvo, já que ele seria aspiracional para todos os demais. É daí que saem os argumentos para campanhas publicitárias: “Se tornarmo-nos desejáveis para essa garotada, é a coroa sarada e rica que não vai resistir. Quem não quer ter 20 anos?”.
Tem gente que não quer, por exemplo, os vintões. A tendência vem se invertendo drasticamente e já perdeu o viço a recauchutagem angular, ou seja, aquele disfarce de idade que só fica bem em ângulos e iluminação precisos. Quem nunca observou a ginástica necessária para capturar um ângulo enganador, quando não se tem mais 20 anos? São verdadeiros shows de poses e rigidez que se desfazem no segundo gin-tônica.
Hoje, a mulher e o homem de 40 anos são muito diferentes dos balzacos de 20 anos atrás. Têm as mesmas performances físicas (inclusive sexuais) de seus filhos, podem se dar ao luxo de não gostar de qualquer coisa, têm bufunfa e savoir-faire. Basta circular por aí para perceber que a pirâmide se inverteu: jovens se envelhecendo propositalmente. A prova mais irônica é quando a garota resolve, no frescor de seus 20 anos, fazer um retoquezinho aqui, um retoquezinho ali, e fica com a cara da mãe que acha que tem a cara da filha.
Desse pêndulo, entre jovens amadurecidos e velhos rejuvenescidos, quem sabe se chegue a um equilíbrio confortável. Entre o esmero e o desleixo, entre o plastificado e o ressecado, não passe uma brisa serena, revigorante e verdadeira. Quem sabe entre a jovem de sandália franciscana e a sexagenária de minissaia de couro rosa, a gente encontre um jeito de ser o que somos, sem querer ser o que seremos ou deixamos de ser.
– Pai, olha que garota linda!
– Ela não é linda, filho, ela tem 20 anos.
Artigo originalmente publicado no FFW
Jovens sexagenários e velhos adolescentes – http://www.alphen.com.br/2011/02/25/jove…
RT @Alphen: Jovens sexagenários e velhos adolescentes – http://www.alphen.com.br/2011/02/25/jove…
RT @Alphen: Jovens sexagenários e velhos adolescentes – http://www.alphen.com.br/2011/02/25/jove…
Um detalhe inútil: pelas ruas de Cordes, há também plaquinhas indicando “émail”… Para os estrangeiros de todas idades é lan house, para os franceses de todas as idades é manicure. Bjs.
Puta texto sensível. Genial. De refletir por horas. Beijos!
O problema é que os filhos sempre querem ser o oposto dos pais.
Sendo assim, pais querem ser jovens, os filhos querem ser velhos.
Quando eu tinha 20, gostava de ser jovem. E tinha preconceito com os velhos velhos. Mas gostava dos velhos jovens (Mestre Gaiarsa incluído, 47 anos mais que eu). Agora que passei dos 40, gosto de ser quarentão. E tenho preconceito com os jovens velhos – sabichões, blasés, tecnobabadores deslumbrados – mas gosto dos jovens jovens: viçosos, entusiasmados, desejosos de aprender e fazer. Esse equilíbrio de que você fala reside no mais óbvio dos segredos: somos todos jovens, somos todos velhos. É apenas uma questão de tempo. Nessa época de Ladies Gagas, Restarts e Justins Biebers, sonhei e flutuei nos blues e hits da monumental cantora (e não só exótica persona) Cyndi Lauper, 57 anos. Ela é velha, ela é jovem, ela é ambos em equilíbrio. E seu show não é só música, é amor também. Pela arte, pelos músicos, pelo público, do qual ela se aproxima fisicamente toda hora, DE PROPÓSITO. Exemplo pra todos nós. Valeu cada momento do meu surto tietesco adolescente, de ir às lágrimas com seu agudos, de me esticar perto do palco por sobre a multidão e os seguranças até – supremo êxtase – capturar o seu olhar e tocar a sua mão. Me sinto jovem.
Cara,
Venho lendo seus textos ha alguns meses. Confesso que os lia para passar raiva. De alguma maneira eles me incomodam. E nao importando o conteudo, sempre tirava uma conclusao: Esse cara e chato pra cacete.
Mesmo o achando um pe no saco, continuei lendo. E cheguei a conclusao que continuo voltando aqui justamente pelo desconforto. Nao fico no lugar comum, sempre existe um tipo de reacao, auto flagelacao, um julgamento que faco de mim mesmo. Vc expoe aquilo que achamos ridiculo e nao temos coragem, ou percepcao para comentar. E como se fosse o Seinfeld, mas sem o humor (desnecessario no caso).
Muito Obrigado. Continue escrevendo e nos incomodando!
Um abraco!
Pedro, acho q escrevo exatamente pelo mesmo motivo q vc me lê. Valeu!