O paroxismo da comunicação sem mensagem

No começo era o verbo. Milhares de anos depois o verbo não resolveu o caos. E de tradução em interpretação, o sentido se perdeu e verbo significou comunicação e muito blablablá.

Para o pensador Georges Haldas, verbo é o que une sujeito e objeto, dentro e fora, “em cima” e “em baixo”. Verbo é conexão.

Mas para aterrissar as discussões mais metafísicas, façamos um exercício gramatical para entender o que é essa conexão.

Na sentença “Maria (sujeito) ama (verbo) chocolate (objeto)”, o verbo é o que une Maria ao chocolate. Mas o verbo não é só forma, é também, e principalmente, sentido. “Maria detesta chocolate” dá um sentido diferente à conexão entre Maria e o chocolate.

Se cavarmos um pouco mais o raciocínio, destituindo-lhe de todo brilho filosófico, o verbo é o meio que une sujeito e objeto, o meio que une emissor e receptor. É um raciocínio semelhante que nos fez, um dia, acreditar que a comunicação era a engrenagem do nosso sistema. A comunicação é o verbo (relação) entre um emissor e seus muitos potenciais receptores.

Investimos por décadas na tese de que o meio prevalece sobre a mensagem. Tese extremamente bem sucedida em toda lógica broadcast de transmissão de mensagens. Em outras palavras: fale, grite, repita, à exaustão, qualquer coisa, ou qualquer coisa bem simples, mínimo denominador comum, que o meio se encarrega do mais importante: convencer.

Gastei todo esse verbo aí para chegar no cliché do cliché, que um dia foi genial: o meio é a mensagem.

E veio a Internet, veio o quantum leap e os meios viraram um googol tendendo ao infinito. Incontrolável, com geração expontânea e exponencial.

Como é que faz agora? Ah, já sei: mídia de massa significa de um para muitos e de preferência para todos. Ficamos anos soltando pum sem pedir a opinião de ninguém ou de poucos. O povo ficou puto, inventou a Internet e ferrou a gente mas vamos ferrar eles de volta. Vamos abrir o canal. Vamos fazer a via ser dupla. Vamos ouvir essa gente diferenciada, dar voz à negrada e pronto, tá resolvido. Vamos ser interativos, colaborativos e o escambau.

Mas comunicação é só conexão? Adianta abrir retorno? Verbo não era conexão com sentido? Cadê o sentido?

Às vezes, não dá a impressão que estamos destituindo a conexão de sentido?  A mensagem que uma dia foi substituída pelo meio não estaria agora sendo mais uma vez subvertida pela interação ainda mais vazia de sentido?

A mensagem escrava do meio agora é escrava da interação e assim perde o pouco do sentido, vulgar, que ainda lhe restava.

One thought on “O paroxismo da comunicação sem mensagem

  1. Estava com saudade de vc. Mas fiquei até meio zonzo. Li tudinho, todas as teorias de comunicação. Fiquei sabido. Mas nunca comprei a ideia de que o meio é a mensagem (pedras voam em minha direção), “sacada genial” que supervaloriza o primeiro e subestima a segunda. Sempre acreditei que mensagem e meio se influenciam mutuamente. O meio pode mudar a mensagem, a mensagem mudar o meio. Quer um exemplo? Twitter mudou de brincadeira pueril em ferramenta de mobilização civil no Egito (e outras paragens por aí). Porque mudou a mensagem. Estou lançando uma nova teoria: não existe só meio, não existe só mensagem: existe o conjunto meio/mensagem, uno, indivisível, indissolúvel. Só ele tem sentido. Só assim é conexão.

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