O novo criativo, das profundezas e superfícies

A grande sorte da “criação” das agências de comunicação é elas terem, de todos as estabelecidas áreas, o melhor nome: Criação. Criar é uma atividade que conjuga a habilidade para expressar-se de forma escrita com aquela para fazê-lo de forma visual. Criar significa também e principalmente, ambas  as linguagens confundidas, aprofundar-se na essência de uma ideia. Pensar o conteúdo para além da forma.

Assim usurpado o sagrado coração da profissão, os impostores desenvolveram proteções ardilosas que empurram as outras “especialidades” numa periferia necessária mas acessória.

Sem querer entrar na retórica cliché de “agência de ideias em todas as áreas”, um mutável virus introduziu-se na indústria da comunicação: a o big bang dos meios, a Internet. As habilidades de redator e diretor de arte não parecem mais suficentes para Criar. Uma garotada domina outra linguagem, que, embora pareça suja de graxa, é curiosamente celebrada nos grotões novos ricos da indústria tecnológica. A primeira reação é enquadrar os energumenos que nascem nesse mar subterrâneo numa lógica conhecida: designers digitais e programadores – tipos novos de produtores. Assim (e ainda), para salvar a proteção territorial, incorporam-se esses novos à “criação”.

Mais vale, no entanto, entender que linguagem “nova” é essa que as plataformas digitais demandam? Certamente não se trata apenas de uma habilidade específica para produzir em ambientes virtuais.

De forma sintética, os novos “criadores” são pessoas que possuem talento ou desenvoltura, para “criar” horizontalmente, numa multitude encadeada e estratégica de meios. Não são designers nem programadores – embora possam sê-lo, assim como podem ser diretores de arte ou redatores clássicos – mas falam uma língua que pensa transversalmente mídias afora. Podem ser também mídias, planejadores, atendimentos.

E por que essa “habilidade” é uma habilidade que soma (e integra) e não substitui?

Voltemos à definição de “criativo” do primeiro parágrafo: “criar” é aprofundar-se na essência de uma ideia. Como era esse o talento necessário para tornar-se um dos bons (e não só um original pirilampo), com o tempo, as atividades acessórias aproximaram-se desse olimpo, e em particular o planejamento. Até chegarmos ao momento em que “planejar” e “criar” confundem-se na busca da conceituação profunda de mensagens, discursos e histórias que seduzam, envolvam e fidelizem o coração dos consumidores. “Criar” é (ou era) portanto verticalidade, essencialidade.

Isso funcionava, e bem, em um mundo em que poucas e domesticáveis são as interfaces com os consumidores. Não funciona mais depois do big bang.

Criar é portanto, hoje, verticalidade e horizontalidade ao mesmo tempo. É a habilidade indissociável de intuir e pensar profunda e superficialmente, na largada, desde o primeiro briefing. E essa nova Criação está na mídia de um novo tipo, no atendimento de um novo tipo, na “criação” de um novo tipo e principalmente no planejamento de um novo tipo.

7 thoughts on “O novo criativo, das profundezas e superfícies

  1. Mas seja a criação “vertical” ou “horizontal”, não chega um momento em que é necessário, e inevitável, gerar a famosa “mensagem”? A “criação”, das antigas, era especializada na mensagem: sua ideia, suas palavras, sua argumentação, sua sedução, sua cor, sua aparência. A “criação”, essa nova, brota tudo ao mesmo tempo agora, palavras, imagens, programações, tecnologias, estratégias? E você conhece alguém que consiga fazer sozinho tudo isso? Alguém que tenha a “multitude” e domínio de tudo, todos os talentos e habilidades técnicas? Não tenho nenhum problema em partilhar a criação com áreas que outros podem achar “acessórias”. Pra mim, toda a agência podia se chamar “criação”, nos tempos antigos e modernos (desde que todo mundo assumisse a responsabilidade pelo conteúdo). Só que continuo acreditando em talentos específicos. Esse camarada em quem tudo converge, já ouvi falar muito dele, mas nunca o conheci. Ao longo da história da propaganda, quem valorizou mais o talento de criar a mensagem, o conteúdo, foi o mercado. Talvez porque fosse mais delicado e difícil mesmo. Talvez ainda seja. Mas a criação “se achar” é consequência disso – e certamente uma aberração comportamental que dificulta o trabalho. De qualquer forma, embora me considere bastante aberto aos novos tempos, esse meu jeito antiquado de ser frequentemente bate em concorrências agências inclusive grandes, de todos os naipes, até mesmo as que se dizem “especialistas” na tal “geração Y”. Minha carreira e meu salário resultam da escolha consciente de ser da “criação” (das antigas), com todas as suas glórias e dores, algumas do tamanho do Everest. Não sei bem se “usurpei” alguma coisa de alguém um dia.

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