O debate cansa a beleza

Foi-se um tempo em que eramos educados no espírito de porquismo. Por definição, eramos do contra, antes mesmo de ouvir. O jogo da racionalidade exigia essa dialética. Não ocorria a ninguém, minimamente educado, ouvir um sermão, uma palestra, uma aula, silenciosamente. O espírito combatente aflorava na mais vaga e sutil tentativa de catequese ou difusão indireta de ideais, quaisquer que fossem. Foi assim que foram às ruas de Paris em 68. Foi assim que tiraram as roupas em Woodstock em 69.

E o que mudou de lá pra cá? Nas idéias e nas descobertas intelectuais, pouco, muito pouco avançamos para além da  sede de participação, de liberdade, de colaboração, de conexão, de ativismo. As ferramentas mudaram, mas o pensamento atrofiou-se confortavelmente. Iludimo-nos com as inovações mas elas operam na superfície. Requentamos as idéias, revestindo-as de uma tradução contemporânea e só.

A tecnologia nos ilude e a despeito de pensar, brincamos com gadgets intelectuais.

Mas o que mudou de lá pra cá? Se nada ou pouco nas idéias, muito na forma. A forma evangélica, identidária, inflamada e enebriante tomou o lugar dos longos embates intelectuais, irreconciliáveis, sanguíneos, guerreiros.

A festa dócil mobiliza mais do que o debate. O pensamento fragmentado seduz mais do que a construção teórica. A reciclagem é mais tentadora do que a originalidade.

Não tem errado nem certo, nem melhor ou pior. Errado só a pretensão de uns e outros. A pretensão inconformada dos jovens de antes e a pretensão messianica dos jovens de agora. Certo mesmo é não se levar a sério.

5 thoughts on “O debate cansa a beleza

  1. Total discordância: ser sempre contrário é tão irracional quanto ser sempre a favor; dá pra ser “combatente” sem isso. Quase concordância: é certo mesmo que o certo mesmo é não se levar (tão) a sério.

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