Existe uma movimentação ao mesmo tempo inquietante e excitante na forma como os clientes das agências de comunicação vêm se movimentando principalmente no que diz respeito ao papel desempenhado pelo marketing.
A percepção superficial do fenômeno dá-nos a desagradável sensação de juniorização das equipes e a apreciação mais comum dá conta de que os clientes não estariam mais fazendo o que deveriam, a saber, municiar suas agências de informações e objetivos claros sobre suas marcas.
Mas a realidade por detrás dessa falsa idéia, é que os clientes tendem a colocar em xeque o papel mesmo de seus fornecedores de comunicação. Passam ainda a superpor-se às tradicionais funções atribuídas às agências. É nesse nem sempre evidente ponto que a relação fica dramática: “afinal de contas, qual é o papel de cada um?”
Existem duas formas de encarar essa tensão.
A primeira é o belo discurso da parceria, que somos um time que se mobiliza em torno de um único objetivo. O lugar comum é uma falácia muito pouco objetiva. Afinal de contas, parceria significa comungação de interesses comerciais e embora isso possa ser aplicável em alguns casos, não resiste da porta para dentro de ambos os lados da fronteira cliente/agência.
A segunda consiste em resignificar as diferenças. Consiste também em reconhecer os erros, as acomodações, os medos. Em determinado momento, as agências renunciam a suas convicções, intuições e até evidências para adequarem-se aos briefings dos clientes, cada vez mais imperativos. E o acochambro é sinônimo, no tempo, de irrelevância.
Mas existem truques eficientes para fazer a auto-crítica dentro de casa.
– Conhecemos coisas, pessoas, assuntos, pontos de vista, que nossos clientes não conhecem (ou não podem acessar) ou estamos sempre mastigando aquilo que eles já sabem?
– O cliente está confortável com seus recursos? Ele acha que tem todo o dinheiro de que precisa? Ou falta-lhe sempre algo de que ele adoraria dispor para poder executar nossas idéias?
– Finalmente, estamos convictos das nossas propostas? E se fossemos o cliente no lugar do cliente, aprovaríamos? Estamos dispostos a investir na nossa idéia a ponto de demonstrar que o nosso também está na reta?
"o acochambro é sinônimo, no tempo, de irrelevância" RT @alphen É o de quem que está na reta? http://t.co/VKLhWas
Marcelo de Paulos says:
O mesmo problema acontece dentro dos clientes. Quando marketing estah na mesma estrutura de produtos ou vendas, uma importante segregacao de funcoes eh rompida: o objetivo de longo prazo (do marketing, que eh a construcao do valor de marca) cai para segundo plano frente aa urgencia do atingimento de metas de curto prazo. Quando estao em estruturas separadas, os interesses se desalinham.
A unica forma de romper esse fogo-ou-frigideira eh colocar a gestao do valor de marca (profissional, focada e quantificada) no cerne das variaves de avaliacao, tanto do desempenho do marketing quanto das areas de negocios. Eh trazer uma quantificacao do longo prazo para o curto.
A realidade em grande agência é certamente diferente, mas acredito que está faltando nesse guisado todo aí um ingrediente importante e decisivo: o ego dos envolvidos. Engenheiros, químicos, biólogos, estatísticos, matemáticos, profissionais de TI e outros afins muitas vezes sabotam ou bloqueiam o que é proposto pela agência não para defender melhor os interesses da empresa/marca em que trabalham, mas simplesmente porque, quando têm a chance de “botar o dedo” em algo que vai ter visibilidade criativa, esquecem-se completamente de qualquer humildade e profissionalismo, avançando em uma coisa que nós nos preparamos a vida inteira para fazer. No dia em que eu achar que não tenho mais informação ou percepção do que o cliente sobre algumas coisas, mudo de área – ou ouço humildemente ele ensinar para mim. Sempre que se veicula algo que eu criei, o meu também está na reta (dado que a agência sempre pode ser “demitida”). Sempre que o cliente (quase sempre, vá) assumiu o risco comigo, em vez de lutar contra mim, saiu ganhando.
Não acredito em parcerias perfeitas com funções, missões e expertises exclusivos e bem delimitados. Hoje tudo está ao alcance de todos e todos podem chutar em qualquer área. Mas acredito no esforço incessante para resolver os conflitos que conseguimos diagnosticar com alguma objetividade.
Os negócios são tóxicos por natureza e as tensões do relacionamento cliente-agência contribuem até certo ponto para estimular a competitividade e a performance profissional de ambos os lados. Ideal x possível, longo prazo x curto prazo, inovação x soluções confortáveis, prêmios X resultados, autoria individual X autoria coletiva, autoria X autoria, são “venenos funcionais” que produzem conflitos intersubjetivos, mas sempre alimentaram esse jogo e de vez em quando fazem surgir soluções brilhantes, extraordinárias. Mas as tensões intersubjetivas se tornam disfuncionais, com frequência galopante, porque o mundo das emoções, das fantasias e das ambições subjetivas, cada vez mais se sobrepõe ao que “deveriam ser” os objetivos dos projetos, das empresas, das instituições, das marcas… etc. O que fazer? Hoje é difícil apelar para a racionalidade e o bom senso sem parecer careta, conservador e autoritário.