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A infantilização do mercado de comunicação

Para que serve uma agência de comunicação para além da retórica e do fácil gorjeio para cliente deleitar-se?

A confiança na independência é a lógica fundadora e muitas vezes esquecida pelos dois lados do balcão, veículos e anunciantes.

Na teoria, a relação entre uma empresa anunciante e uma veículo de comunicação se basta. De um lado quer-se atingir pessoas passíveis de consumir um produto, do outro quer-se financiar a produção de conteúdo que pessoas passíveis de consumir um produto querem.

Não precisa-se – nem precisava-se – de ninguém no meio do caminho, basta o anunciante pagar pelo espaço que irá ocupar no espaço vendido pelo veículo e preenche-lo com conteúdo sobre sua marca/produto/serviço.

No entanto, para que a relação seja justa, o veículo deve convencer que é capaz de atingir aqueles que interessam ao anunciante. Para que a relação seja eficiente, o anunciante também deve fornecer conteúdo que interessa ao público. Se o convencimento não for honesto e o conteúdo de má qualidade, a prova frustra a ambos.

A história da propaganda começou mais ou menos assim: o veículo convencia o anunciante com dados e o anunciante convencia o veículo com conteúdos. E no meio do caminho, pouco ligava-se para quem consumia – os conteúdos e os produtos – mais conhecido como consumidor. Até porque o veículo tinha todo interesse em comprovar que encontrava os consumidores e o anunciante todo interesse em comprovar que seu conteúdo era correto. Veículo fornecendo pesquisa, anunciante criando conteúdo, ambos sobre si.

Ninguém é inocente no mundo e ainda que fosse, o espelho só devolve imagens processadas pelo cérebro. Ou seja, todo espelho é mentiroso, consciente ou inconscientemente. Como confiar nas verdades do veículo? Como acreditar nas do anunciante?

Foi assim que nasceram as agências: para ser o meio do caminho entre as verdades de ambos os lados do balcão, com o cidadão consumidor como juiz. Para ser o auditor dos dados do veículo, para ser o criador dos conteúdos dos clientes.

A confiança na independência do intermediário, a agência, é o que garante (garantia) que a relação do anunciante com o veículo seja proveitosa.

Foi sobre essa lógica cristalina que as agências especializaram-se no consumidor, tanto do lado científico das informações, quanto do lado criativo dos conteúdos.

Mas muitas décadas depois, ainda existem anunciantes e veículos que se arriscam perigosamente para reestabelecer uma pré-histórica relação. Anunciantes tentando criar seus próprios conteúdos, veículos tentando justificar seus próprios públicos. Esse pensamento jurássico proporciona a infantilização dos recursos humanos fazendo malabares com verbas colossais, a frustração das especializações e, in-extremis, a desestabilização de uma trinca que se justificou na prática, fazendo o sucesso comercial das marcas, das mídias e das agências.

Histórias não fazem o boi dormir

O que muita gente esquece quando enaltece o “storytelling” na construção de um discurso de comunicação, é que o “telling” é infinitamente mais importante que o “story”.

A arte não está na história em si. Seria simples demais. A literatura inteira, universal, em todos os tempos, é feita de poucas histórias. Muito poucas. Mas por falta de interesse no “contar”, por falta de talento no “escrever”, mata-se por uma “boa história”. Recorre-se à pilatrangem de buscar histórias com ingredientes superficiais, fáceis de tocar, fazer chorar e fazer rir. Vemos novelas demais. Lemos jornais demais. Novelas e jornais são compêndios de histórias. Todas as mesmas, chatas, bobas, embrutecedoras.

A arte está na escrita, flui da linguagem e não dos fatos. São as palavras que constroem a verdadeira experiência. A história não passa de um suporte para a expressão. Por pouco que pareça, qualquer história serve a quem sabe escrever, contar. Conte-me a história de Don Quixote, ou Moby Dick, ou o Vermelho e o Negro. Capaz de não sair nada além de uma série de descrições de personagens com uma trajetória heroica até seus fins. Cervantes e Melville e Stendhal contaram-nos essas histórias parecidas, em milhares de páginas, febres, lágrimas, tremores, transformações pela – e somente pela – escrita, única, inimitável, imortal.

O resto, bem, o resto é o resto. Pode até vender refrigerante, sabonete e carro. Para quem já quer refrigerante, sabonete, carro. É pouco. Pouco demais.

Fé na mentira

Trabalhar com propaganda é uma questão de fé antes de talento.

Essa é a lógica:

O cliente te conta um monte de mentiras sobre sua marca (ele não iria mesmo de te contar o tamanho do bônus que ele vai ganhar se alcançar a meta).

Os consumidores te contam um monte de mentiras sobre suas vidas (afinal de contas segredos de divã custam muito mais do que murchas coxinhas).

Tudo aquilo que você consegue entender sobre os concorrentes também é um monte de mentiras (eles não são burros de serem tão óbvios).

As pessoas com as quais você trabalha mentem estupidamente quando apostam num conceito (não é consenso, é preguiça ou amor ao crediário do Shopping).

Por sobre esse vale de mentiras, faz-se propaganda numa vã esperança de zerar as polaridades, mentindo.

Clientes vendem mentiras que consumidores consomem mentindo. Seria pretencioso achar que cabe à propaganda a celeste missão de reconciliar mentirosos patológicos.

E seremos os melhores se melhor mentirmos. Se mentirmos dizendo que acreditamos nas mentiras dos clientes, dos consumidores e de todos os outros mentirosos que nos cercam. A fé é o único talento.

Quem leva a melhor?

Por motivos que pertencem aos insondáveis labirintos escuros da mente, competimos uns com os outros para aplacar uma insaciável carência de afeto e atenção. Para justificar esse embate de egos, inventamos talentos e habilidades particulares e diferenciadores. É mais ou menos por isso – e talvez por outros álibis menos nobres – que nas agências de comunicação existem macacos trabalhando em galhos diferentes, em volta de um tronco.

Se a metáfora está correta, existem árvores na floresta com galhos mais desenvolvidos e valorizados do que outros. Criação portentosa e planejamento mirrado. Planejamento super-irrigado e criação raquítica. Por exemplo.

Maçãs não ligam para o tamanho do galho. Quem acha que a maçã de um galho musculoso é melhor do que que aquela de um fiapo, desconhece tudo da botânica publicitária. Maçãs-comunicação se desenvolvem a partir do concurso equilibrado e harmônico da árvore toda, da raiz abissal à mais débil das folhas. Bonsais, mesmo lindos, caros e raros produzem frutas insípidas.

O mercado brasileiro – quiçá global – é uma dessas esdrúxulas florestas de anomalias.

O cliente faz a colheita nessa selva artificial. Aqui ele prefere o planejamento, ali a criação, acolá a mídia, e outras bizarrices circunstanciais. E come maçãs belas mas ocas, feias mas rechonchudas, saborosas mas feias e ocas.

E mesmo assim, competimos. E por isso ouvimos que o cliente gostou do planejamento mas não comprou a criação. Adorou a criação mas roncou no planejamento. Curtiu o planejamento e a criação mas a mídia era banal. Ou aquele que detestou tudo mas contratou por causa da estratégia de mídias sociais. Ou ainda aquele que tudo amou mas refutou porque não curtiu o wobler de gôndola.