Trabalhamos tanto e com tanta fingida paixão que é comum acreditarmos que o produto daquilo que fazemos – qualquer que seja a atividade – é o ouro do Reno. Valem todos os esforços, todos os sacrifícios, inclusive o sacrifício do senso do ridículo.
E já que é mais fácil raciocinar com exemplos, a título meramente ilustrativo, por que não usar a propaganda?
Pensemos um minuto no berço ainda tão fofinho dos publicitários: um ninho autocentrado e referenciado. Evoluímos num aquário habitado por peixes da mesma espécie que se cruzam com simulada benevolência e disfarçada competição. Para além dos espessos vidros, habitam os others, clientes, fornecedores, parceiros. Gente hostil e aproveitadora.
Nesse habitat, criamos um aparelho que regula nosso microclima. Uma espécie de termostato e distribuidor automático de alimentos chamado “Prêmios”,
Às vezes, tá um frio danado. As condições não são favoráveis: clientes rebeldes, verbas reduzidas, pesquisas castradoras, concorrência acirrada. Entra a geringonça em ação, distribuímo-nos prêmios e a temperatura volta ao normal.
Outras vezes, a comida fica escassa: os salários não sobem, as ofertas de trabalho escasseiam, os chefes estão fominhas. A máquina entra em ação, esprememos as meninges e os time-sheets e os prêmios matam a fome.
O termostato-alimentador por sua vez, é movido a fichas técnicas, o palco de todas as batalhas. No aquário publicitário, a ficha técnica é o Nirvana.
Devemos admitir que esse é um sistema muito eficiente. De dentro do aquário, ninguém ousa rebelar-se contra a máquina.
De dentro.
Mas para quem está de fora, os peixes estão nus.
O trabalho – mesmo esse – dignifica o homem. O trabalho – até esse – não significa o homem.