Criatividade não passa procuração

Os gregos tinham várias palavras para Amor, os Berberes muitas para Estrela e os Esquimós uma dezena para neve. Nós só temos uma para Criatividade.

Alguns irão encontrar formas de adjetivar o conceito pra dar-lhe mais precisão: “original ou eficaz”, “mensurável”, “rompedora”, “emocional ou racional”, “universal ou precisa”.

Outra forma de avaliar a criatividade é julgar sua performance com “high scores”, “green lights” e recomendações diversamente pesquisadas.

Existe ainda outra não menos utilizada maneira que é custear a criatividade: “muito ou pouco time sheet”, “ideia cara ou barata de executar”, “ideia com quilometragem ou sem”, “ideia com bom custo-benefício”.

Mas preferimos qualificar seu poder de forma referenciada: “ganhou leão ou lápis ou estrela ou tomate”, “teve views gratuitos, citação nos blogs, likes e comentários”, “a mãe, o filho, o vizinho, o chefe, a moça do SAC gostaram”.

Mas as palavras são o espelho de uma cultura. Se Criatividade não tem definição precisa na nossa sub-cultura publicitária é que talvez não haja juízo de valor possível para qualificá-la. Sem exatidão, foco, compreensão universal, talvez essa criatividade não seja um critério válido para julgar e aprovar propaganda. Essa criatividade não é conteúdo mas forma, não seja um fim, mas meio. Um meio para alcançar um fim, que pode ser envaidecer-se, ter aprovação na pesquisa, custar pouco, ganhar prêmio, fazer falar os tagarelas ou vender. Um dos muitos, muitos, muitos meios.

Mas Criatividade pura, sem epíteto, necessariamente vaga, impossível de mensurar e quantificar, é aquela que toca, arrepia, ferve os glóbulos, emudece, enrijece, tremelica os pelos, sem perceber, sem calcular, sem prever. É pessoal e intransferível. Não passa procuração para ninguém, nem para os poderosos, nem para as pesquisas, nem para os juízes.

5 thoughts on “Criatividade não passa procuração

  1. O último parágrafo é perfeito. A busca dos melhores criativos publicitários (célebres ou não) é encontrar essa criatividade – e sua convergência com o “famoso” resultado (que se pode quantificar, mas vem a ser OUTRA coisa).

  2. É isso aí, indefinível, imensurável o criativo é também inexplicável ( se precisar explicar, melhor desistir…) incomparável, inimitável e muuuito raro. Penso na corrida dos zilhões de espermatozoides. Só um chega lá e fecunda. E o efeito é indiscutível. É a própria criação!!!

    Gênio criativo foi mesmo o publicitário que resolveu chamar de Criação a equipe de redatores e ilustradores. Foi o santo nome que alavancou toda uma industria, não foi?

    Meu sogro que era veterinário, comunista e indignado por eu estar desperdiçando meu saber sociológico numa fábrica de reclames, um dia me pediu que lhe explicasse como funciona uma agência. Quando falei no setor de “criação” ele me interpelou curioso: “Mas que tipo de animal eles criam lá?” E quando eu falei que fazia “planejamento estratégico” ele disse: ” Então a sua agência também faz propaganda de armamentos?”

    1. Comentário genial Vera. Obrigado por esclarcer minhas mal traçadas entrelinhas.

      1. He, he, adoro viajar nas entrelinhas, e também na maionese, dizem. Mas vamos combinar que em matéria de subtexto às vezes você nos brinda com um Metrô de possibilidades!

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