A, B ou C: gente ou contingente?

Numa recente exposição de arte, um homem e seu filho, trajando camisetas de um time de futebol e visivelmente pouco à vontade com o ambiente, foram abordados por um jornalista.

– O Senhor está gostando da exposição?
– Muito.
– O Senhor costuma frequentar esse tipo de lugar?
– É a primeira vez. Mas gosto muito.
– Pretende voltar?
– Claro.

E apontando o filho com orgulho e autoridade:

– Estou investindo nele.

Da comida para a cultura, da casa própria para a educação, da saúde para a informação, a fome do brasileiro mudou.

Com indiferença estatística e frieza matemática, chamam-nos de emergentes ou dão lhes siglas. Herança de um tempo em que populações eram contingentes, pessoas eram consumidores e só interessavam números superlativos. Minorias ou indivíduos não participavam da cidadania nem do mercado.

Naquele tempo, pessoas que votavam em massa acéfala e que compravam por impulso idem, eram uma estatística, um número. Número vultuoso mas impermeável ao desejo de compreensão.

Isso era ontem e ainda permanece, hoje, em muitas pesquisas eleitorais ou mercadológica.

É chegado o tempo de cessar, aposentar, esquecer esse tipo de classificação. Parar de ver votos e bolsos ao invés de pessoas.

É chegado o tempo de construir outro tipo de lógica, trans-social, trans-financeira. Podemos – e devemos – organizar nossos alvos (outra palavra odiosa) em função de seus valores e aspirações.

Se o Senhor da exposição da Tarsila do Amaral for analisado pelo bolso ou voto, sabemos que pertence a uma massa de X% da população brasileira.

De que nos serve esse número além de reforçar um preconceito insidioso?

Não seria mais inteligente e útil saber, todas os bolsos e votos confundidos, quantos brasileiros têm os mesmos gostos, os mesmos sonhos, as mesmas fomes?

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