Cuidado com o espelho

Intimidade ou privacidade são palavras muito fora de moda. É de se perguntar porque as pessoas ainda usam roupas para esconder as vergonhas. E vergonha é outra palavra que deveria ser extinta do vocabulário contemporâneo. Assim como compostura e senso do ridículo.

As redes sociais são infalíveis espelhos da natureza do nosso tempo.

No começo vemo-nos refletidos com cautela e recato. E aos poucos, a gente solta a mão, o verbo, a cerimônia. Quando menos percebemos, estamos de cueca na mão, saltando numa banheira de hidromassagem, fazendo pose pra câmera, exibindo-se sem nenhum filtro, com doses cavalares de pretensão. Com o tempo, nossas ambições pueris tornam-se públicas.

E quando vem a ressaca, perguntamo-nos: quem somos? Aquele exibido da suruba pública, que só revelávamos em sonhos, terapias ou confissões?

Em “A noite de Varrenes”, filme do Ettore Scola, Marcello Mastroiani faz Casanova, o velho nobre de tantas conquistas e corações partidos. Em determinada cena, ele adentra um banheiro público com sua monumental nécessaire. Senta-se no vaso e de frente para o espelho, retira a peruca, limpa o rosto e mostra-se. Feio, muito feio: “as pessoas não merecem minha decadência”. Ao segundo suspiro, retoca a maquiagem, penteia a cabeleira e sai, lindo, sedutor, irresistível.

Nas redes sociais, a caricatura oculta é o retrato público.

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