A pororoca publicitária

Outro dia passei 4 horas de frente para um telão colossal, aguardando um vôo, em meio a uma desesperante desorganização. Achei que iria enlouquecer. Se frequência e impacto são fatores de convencimento de uma mensagem comercial, eu deveria ter saído lobotomizado daquela experiência. É evidente que excesso de exposição é como um refluxo estomacal. Mas passados alguns dias, não conseguia sequer me lembrar da marca anunciada e tampouco do conteúdo do comercial.

O fenômeno me deixou perplexo. A decoreba involuntária surtiu o mesmo efeito que aquele curso de sleeping-mandarin que comprei anos atrás em que um alto falante dissimulado debaixo do travesseiro repetia a lição ad-nauseam.

Fui atrás e, nas minhas investigações, descobri que o comercial era de carro. Parece ser uma dedução lógica: o que mais poderia ser anunciado em um aeroporto francês, num telão nababesco sem som? E o que mais além de um comercial de uma montadora francesa poderia ser mais sem graça e irritante?

Na briga pela atenção, a experiência do aeroporto é uma boa metáfora para a publicidade de jaleco branco à qual nos submetemos diariamente.

Criam-se comerciais de situações, sucessivas, repetitivas, sincopadas por uma música ritmada e um texto como um scat sem sentido: la dum ba dum pa. Então vem a pesquisa e analisa a atenção detalhada do consumidor cena a cena. Elaboram-se gráficos precisos que irão definir quais devem prolongar-se, quais devem ser suprimidas e qual é a ordem adequada. Uma espécie de sanduíche sem pão: só bacon com maionese.

Difícil dizer o que vem primeiro: a preguiça ou a dissecação. Mas é certo que uma se alimenta da outra: a preguiça criativa é prato cheio para o furor da pesquisa, a pesquisa é um prato cheio para a falta de imaginação. Ou a falta de imaginação é um prato cheio para o lugar comum over-produzido. E a pesquisa assassina, um prato cheio para aliviar a mediocridade.

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