O peixe que viramos

O Carassius Auratus é um peixe muito querido por milhões de pessoas ao redor do mundo. Ele é conhecido por sua atividade, apetite, exibicionismo e curiosidade enormes. Por muitos desses aspectos, ele é parecido com os seres humanos vivos no século 21. Mas sem dúvida, sua característica mais surpreendente é seu tempo de atenção que é, em média, de 8 segundos. Pesquisadores conscienciosos fizeram constatações semelhantes com uma amostra representativa da população de milennials e concluiu que além de coincidirem na maioria das qualidades do peixe, a atenção dessa geração é melhor e alcança uma média de 9 segundos.

Ainda não fizeram a mesma pesquisa com a população de usuários assíduos de redes sociais, mas é provável que ela mimetize o comportamento da geração Y. E não se engane: costumamos mentir sobre nossa mundanidade digital porque é de bom tom afirmar com altivez “dou só uma espiada de vez em quando” quando na verdade a gente não resiste a uma tremidinha do celular para dar uma olhadinha. Geração Y somos todos nós e nossos filhos e pais, de 7 a 77 anos.

É difícil descobrir o que vem primeiro, se é a falta de capacidade de concentração que formata a maneira como as pessoas consomem conteúdos hoje ou se é a maneira como as pessoas o fazem que dita a solicitação de concentração. É difícil dizer se é porque as pessoas têm pouca capacidade de se concentrarem que as plataformas distribuem conteúdos cada vez mais resumidos e simples ou se é porque as plataformas foram feitas para distribuir conteúdos telegráficos que as pessoas estão virando peixes vermelhos flutuando em seus bocais quentinhos.

É verdade que o ser humano foi programado para economizar o máximo de energia, seja ela física, seja ela mental. Mexer-se e pensar são duas atividades antinaturais por definição. Portanto, qualquer estímulo ao ócio, à preguiça ou a procrastinação será sempre preferido. É um reflexo.

Mas talvez por isso mesmo as atividades mais lucrativas e promissoras da humanidade são aquelas que incentivam a economia de energia. É por isso que queremos máquinas que emagreçam, geringonças que nos carreguem, telas que nos anestesiem, e inteligências que se substituam à nossa. Os negócios mais bem-sucedidos são aqueles que tentam transformar seus usuários em pufes.

Não é à toa que as plataformas online construíram uma boa parte do seu modelo econômico ganhando dinheiro sobre nossa atenção. Funciona assim: quanto menos atenção as pessoas dispensam para um conteúdo, mais conteúdos serão consumidos e quanto mais conteúdos serão consumidos, mais dinheiro se ganha vendendo conteúdo. É claro que a palavra “conteúdo” é inadequada na mesma proporção que a palavra “consumidos” é perfeita. Metaforicamente falando, é como se o ketchup estivesse para a comida como as redes sociais estão para o conteúdo: é bom mas é uma porcaria.

Lembram da história do ratinho de Skinner? Numa das experiências, alguns ratinhos eram colocados em uma gaiola e, a intervalos fixos, a comida era distribuída mediante uma ação dos animais. Com o tempo, os bichinhos aprendiam que bastava apertar a alavanca quando a hora chegava. O resto do tempo, eles ficavam ocupados em outras atividades. Numa outra gaiola, o sistema era o mesmo, mas a comida não era distribuída a intervalos regulares, mas aleatórios. Os ratinhos, coitados, perceberam isso muito rapidamente e passavam o dia apertando a alavanca distribuidora de comida. Skinner não conta, mas é provável que os coitados tenham enlouquecido.

Os criadores das plataformas estudaram Skinner e sacaram que 1. podiam vender a atenção dos usuários aos anunciantes 2. quanto menores os formatos, quanto mais superficiais, mais anúncios se podia vender e, principalmente, 3. quanto mais aleatória for a distribuição dos conteúdos (pagos e não pagos) mais a gente vai querer scrollar loucamente e consumi-los sem mastigar. E quanto mais engolidos eles forem consumidos, mais peixe a gente vira.

Publicado originalmente no Meio & Mensagem, edição de 13/05/2019

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