Alhos e bugalhos

Morgana disse ao Arthur: cuidado com as palavras, elas têm poder.

Só quem já teve que criar a vigésima sétima campanha de verão de uma marca de cerveja-que-refresca-do-calor ou o quadragésimo terceiro lançamento de um carro-lindo-e-poderoso, sabe o pânico que a tela em branco dá.

Só quem já teve que escrever o centésimo terceiro briefing de um xampu-para-um-cabelo-lindo, um plano de celular-que-te-liga-com-as-pessoas, um investimento-que-te-dá-mais-do-que-você-tinha-antes, uma coleção de moda-que-vai-te-deixar-na-moda, um-aplicativo-pra-melhorar-sua-vida, sabe o pânico que a tela em branco dá.

De ambos os lados da fronteira, saímos em desespero, no fogo cruzado de informações, no bombardeio de inspirações, metralhados por referências, tentando se entrincheirar para respirar, pensar, ouvir alguma sussurrante musa soprar no ouvido, uma imagem, uma experiência, uma palavra.

Quem sabe, lá no meio da balburdia, uma palavrinha se insinua, tímida e inocente, fresca como a rosa do Pequeno Príncipe que desperta toda amassada, depois de intermináveis preparativos. Quem sabe, ali, no meio do briefing do cliente, no meio do briefing criativo, nas informações, inspirações e referências, tem uma palavra de alento, de conforto, de poder.

E aí você espreme, decanta, distila tudo e acha a palavra que todos os briefings, orais e escritos, invariavelmente entronizam, como a fonte de todos os poderes. A rainha das palavras em cem por cento dos estímulos criativos: ducaralho.

Ducaralho é totalizante, o alfa e o ômega, o yin e o yian, o absoluto e o vazio. Ducaralho é o orvalho da manhã no céu que nos protege de uma insustentável leveza. Ducaralho são 9 letrinhas todas bonitinhas fáceis de dizer ditas por você. Ducaralho é o ser e não ser. O ser e o nada. Principalmente o nada.

Ducaralho são alhos e bugalhos.

Militemos pelo fim do ducaralho e seu estéril superlativo dugrandecaralho.

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