As ferramentas de Inteligência Artificial são como alguns dirigentes – e não só os políticos: mudam de opinião com a mesma velocidade com que metralham seus pontos de vista. Basta dar um mergulho antropológico na rede social de qualquer influenciador, mesmo os mais sinceros, os mais fofos, os mais tementes. Não é à toa que a rede social do presidente americano se chama Truth. Não é à toa que uma IA disse que eu era Empreendedor do Vale do Silício e outra que eu era Frei Franciscano, duas ocupações honoráveis, mas que só tem em comum um nome de Santo.
O chato com os políticos e as IA’s é que chutam e mentem. Tudo é uma questão de probabilidades. Se existe forte probabilidade para que seja bom para a popularidade de um dirigente que ele metralhe asneiras, então ele vai dizer que os imigrantes custam trilhões e trilhões de dólares. Mentir não é delito. Se existe uma forte probabilidade para que uma IA ache, hoje, que sou sinólogo, serei um respeitado sinólogo. Vai ver que sou porque tenho pesquisado, por puro passatempo, sobre o mais antigo slogan do mundo: “Estado forte, Exército forte” (pouca coisa mudou de 2600 anos atrás pra cá).
Mas os políticos e as IA’s têm uma outra coisa em comum além de chutarem e mentirem: são mal educados, grosseiros e incivilizados.
Em 2016, um software de Inteligência Artificial chamado AlphaGo ganhou pela primeira vez de Lee Sedol, o campeão mundial de Go. E ganhou de forma humilhante. Em poucas rodadas, o Senhor Lee foi aniquilado, sem dó. AlphaGo arrasou apesar dele nem saber o que significa arrasar. Mas, todo jogador de Go sabe. Todos os jogadores dos milenares jogos orientais sabem: arrasar é mal educado, não se faz, é pior do que perder, muito pior. Nas relações orientais, não se pode e não se deve fazer o adversário perder a face. Nunca. Nem que ele seja seu pior inimigo. Nem que ele esteja fazendo o algoritmo beneficiar a Direita nos comentários de uma rede social, você não pode fazer o presidente Chinês perder a face. É errado.
Apesar de ser irresistível e delicioso usar essas ferramentas de IA conversacionais, apesar de já as usarmos inconscientemente há bastante tempo, aceitar o chute até que tudo bem, mentir podemos aceitar que é “humano”, agora, aniquilar, arrasar, destruir, não é bacana. Não é legal pensar muito menos torcer para que qualquer IA aniquile pessoas (nas guerras), empregos (nas empresas), faces (na vida de todo dia).
Para que serviria matar mais gente, empregos e orgulhos? Para ter menos gente, menos trabalho e menos razão de viver?
Vamos torcer por menos mentira e menos chutes, mas será que as IA’s (e os dirigentes) do futuro serão capazes de delicadeza, sutileza, sensibilidade, afeto, classe, respeito, compaixão, ou seja, humanidade?