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O produto é trigger, seu Mané!

Venho aqui tratar de uma negligência no post anterior.

Precisamos fazer jus a outra questão de ordem importantíssima nos dias de hoje, principalmente nas longas reuniões que travamos nas agencias de publicidade, onde o futuro da humanidade é decidido.

Enquanto a marca precisa definir seu papel e atuar de maneira que ele fique claro e cristalino, da copa ao topo, estamos esquecendo do pobre do produto, empenhado numa tarefa não menos hercúlea.

Ele é o grande agente transformador dos mágicos 30 segundos. Quando ele aparece tudo muda. As situações ficam alegres, as pessoas soltam fogos de artifício, os problemas mais complexos são resolvidos. O bom fica ruim, ops, o ruim fica bom; o sol brilha mais forte e a vida atinge sua plenitude.

O produto é trigger, seu Mané!

O produto como trigger é primo do papel da marca e irmão bi-vitelino do “product as a hero”.

O problema nessa analogia é que a função do gatilho não se encerra em si só. O gatilho é só uma peça da arma que destrava o cão e dispara a bala.

Mas pouco importa. Como num quadro de Magritte, o nosso produto é um gatilho fora de contexto a serviço da ilusão marqueteira para criar uma realidade de power point.

Ele, o nosso herói, não precisa ter qualidade, nem fazer sentido no contexto mercadológico muito menos suprir uma necessidade real do consumidor. Basta ele ser trigger que está tudo garantido. Não precisamos queimar pestana, aperta o gatilho e o Kotler se encarrega do resto.

O cartucho é de festim!

E o produto é trigger, seu Mané!

Colaboração de José Porto (Deliberadamente inspirado em “O papel da marca, sua anta”.)

O papel da marca, sua anta

Fazer propaganda é sofisticado porque tem que ser memorável, eterno, bem produzido, barato, tem que contar uma história sedurora, gerar intenção de compra, mídia espontânea de montão, engajar as massas, viralizar ultramar, ser uma causa universal, mudar uma cultura. Tem que ter um ponto de vista claro, uma identidade inconfundível e principalmente, definir claramente e com naturalidade o papel da marca, sua anta!

É muita coisa para assegurar, e por isso, a gente pergunta bastante, para todo mundo, da copa ao topo e refazemos muitas vezes para garantir que o papel da marca, sua anta, o papel da marca! E depois a gente pesquisa, tem que perguntar para o povo – voz do povo é voz de Deus – porque se não estiver claro o papel da marca, sua anta, o papel da marca! E se não estiver ali, lógico e tinindo, volta sete casas, muda a equipe, chama reforços, gente que sentiu na pele o papel da marca, sua anta, o papel da marca!

Dá um trabalhão. Tanto trabalho procurando no mercado e no supermercado, no roteiro, na mídia, nas redes, na cabeça, no coração e na vida, o papel da marca nas metas, no bônus, na cabeça do meu chefe, do seu chefe e do chefe gringo do chefe do meu chefe, tanto trabalho que a gente esquece de chamar a atenção.

Porque propaganda, afinal, é isso aí, chamar a atenção.

Para o papel da marca?

Não sua anta, chamar a atenção. Tout court.

Posicionamento: ser ou querer ser

A grande maioria dos topônimos no Brasil são descrições precisas e sintéticas do lugar, geralmente em tupi. Assim Aracaju é o cajueiro dos pássaros, Curitiba significa pinheiral, Iguaçu, rio grande, Taubaté quer dizer aldeia alta e por aí vai.

Jamais os tupinambás construiriam uma central atômica na praia que escolheram para estragar o visual de Angra: Itaorna quer dizer pedra mole.

Por outro lado, nomes próprios de pessoas, para os tupis, são muitas vezes as qualidades desejadas para o futuro adulto, impostos quando das cerimônias de iniciação. Dessa forma, Kauã é gavião, Ubirajara quer dizer senhor da lança, Irací, doçura, etc.

Um tupiniquim não chama seu filho de Moacir porque quer dizer mágoa ou dor a menos que tenha um bom motivo para isso.

Os índios incorporam ao nome dos lugares e pessoas posicionamentos eternos.

Da mesma forma, atribuímos a nossas marcas ideias que devem ter significados longevos. Uma marca comercial é ou quer ser o que seu slogan quer dizer.

“Ser ou querer ser” são as duas fórmulas que conhecemos para batizar uma marca com um posicionamento. Um posicionamento tem que ser a expressão de uma verdade ou um desejo de verdade?

Não é uma questão de marketing. É uma questão de ética.

Posicionar-se como um voto pio, um desejo inocente e puro, é inserir os tais valores humanos que arrepiam e estabelecem uma relação ilusória, fantasma, lúdica com as pessoas. É também a postura típica dos neófitos do marketing tão preocupados com valores emocionais e atalhos piegas com o consumidor.

Por outro lado, falar uma verdade sobre a marca, o produto, a empresa é uma postura que estabelece uma relação honesta com o consumidor. Não se trata evidentemente de revelar segredos ou pontos fracos – o que eventualmente pode ser muito provocativo e bem sucedido. É a postura dos empresários responsáveis, das empresas transparentes, das marcas cidadãs.

Campanha para o Caboré

Mais um briefing de mais uma marca que quer mais uma vez uma solução para mais um problema. Surpreenda. Encare o desafio de superar aquela outra marca que em outras circunstâncias, com outros recursos e outras necessidades conseguiu outra coisa mas que não interessa porque é mais uma vez, mais uma ideia pela qual você será julgado por comparação. Mais uma vez você deverá convencer-se que a ideia é boa, convencer seus pares que a ideia é boa, convencer o cliente que a ideia é boa, convencer o público que a ideia é boa e convencer-se novamente que aquela ideia irá preencher seu firmamento de ideias estreladas.

Então, você tenta, tenta e tenta novamente. Você, o astro, o gênio com uma cronologia de encher páginas e mais páginas, você, que já navegou por todos os mares, todos as intempéries já enfrentou, você que se ofusca com sua própria imagem, vai precisar entrar numa sala lotada de neófitos e lançar petardos de entusiasmo para defender as palavrinhas que vão revolucionar a marca, apavorar a concorrência, virar a cabeça do consumidor e transformar uma cultura, quem sabe o destino da humanidade. Aquele quantum leap que vai ofuscar a Riviera.

Você acredita. Acredita que aquela propaganda merece a posteridade. Que você merece a posteridade.

Mas depois do delírio, você volta para responder a mais um briefing de mais uma campanha de mais uma marca que quer mais uma vez uma solução para mais um problema. Uma campanha de baterias, suco de laranja, lambreta, papel higiênico, remédio para fogachos e sudoreses da menopausa ou para uma candidatura para o Caboré.

É, você faz cocô como todo mundo.

As siglas preconceituosas das marcas

O preconceito talvez seja o maior de todos os demônios. É ele que avilta, enlata e reduz as ideias. É porque todo o consumidor é mais burro, mais feio, mais ignorante, mais brega, que a gente se comunica de forma condescendente, com uma superioridade carinhosa, sem muita compaixão e tampouco real interesse a não ser no seu bolso.

Mas existe outro preconceito menos badalado. O preconceito que jorra de dentro das empresas contra suas próprias marcas.

Nossa percepção das marcas está baseada nas observações mais ou menos científicas que chamamos de pesquisa (de venda, de marketing, de comunicação). Desses retratos nascem teorias. Dessas teorias, preconceitos. Desses preconceitos, dogmas.

Os preconceitos se cristalizam no momento em que enquadramos essas banalizações em formatos metodológicos e parábolas criativas. São as siglas místicas que cultuamos como escrituras sagradas.

Mas não existem muitas certezas nas ciências humanas. Os consumidores são porosos, volúveis e influenciáveis. As certezas que criamos a partir de nossos dogmas são grosseiras simplificações da natureza das pessoas. Por causa delas muita ideia genial foi para a fogueira acusada de bruxaria.

Ainda estão para nascer religiões não dogmáticas. Ainda estão para nascer siglas mais tolerantes que não condenam heresias criativas ao anátema.

Para que tanto relógio de rua?

O faraônico outdoor da IWC em São Marcos (Veneza) é horroroso mas a culpa é dos pombos que cagaram a praça inteira. O outdoor é de utilidade pública já que Veneza reúne uma das maiores concentrações de grifes de luxo por metro quadrado.

Por aqui é diferente: como o governo não arrecada bastante imposto é preciso vender espaço para as empresas em troca de benefício público.

Como somos o povo mais disciplinado do mundo, como o trânsito da cidade flui até às sextas feiras chuvosas, como o transporte coletivo é impecável, como a falta de pontualidade é ilegal, como praticamente ninguém tem celular, nem relógio de pulso, nem rádio, é de utilidade pública enfiar um relógio a cada esquina na cidade.

É útil e lindo o novo patrimônio cultural da cidade com sua tímida exploração publicitária.

 

Retro-briefing por que não?

Quem fabricou a primeira roda, quem inventou o amor? A nossa filiação ao método científico e todo o conhecimento enlatado que recebemos diria que o primeiro estava com uma grande dificuldade para levar uma carga de um lugar ao outro, o segundo sentia-se só.

A necessidade é mãe do tino que por sua vez é pai da ideia.

Mas e se tivesse sido diferente.

O sujeito apaixonado, triste, olhava para o horizonte. Nenhuma esperança de vencer a timidez quando do fundo da planície, uma nuvem de poeira levantou-se. Distraído de sua dor, observava curioso os novelos de gravetos que corriam pelo solo seco da savana. O amante inconsolado descobriu a roda.

Você pensa, pesquisa, demonstra e edifica um extraordinário raciocínio para responder a um grave problema. E de repente, em meio a tanta certeza, você escorrega por um atalho, se deixa seduzir. E de repente, você escorrega e cai de boca numa bizarrice que faz sorrir inexplicavelmente. E de repente, alguém vem com uma maluquice que dá um alívio incontinente. É um repente aleatório, quase gratuito.

O que acontece quando você pensou meses e o resultado soa acidental?

Resistir é normal. Triste é não perceber quando a boa ideia, apesar de vir rodopiando do fundo da planície seca, é uma boa ideia.

 

Inveja dos homens-cuspe

Aprender, fazer curso, viajar, ir na Nasa, no MIT, em Cupertino, Berlin ou Kyoto, ler Lacan, Jerome Lanier ou Machiavel, trocar email com Al Gore, Pamela Anderson ou Ariano Suassuna, jantar com FHC, beber com Ronaldo, posar para o Testino, frequentar a Barneys, a L’éclaireur ou o atelier da Rei Kawakubo, tudo isso e também colecionar Jeff Koons, Yves Klein ou Adriana Varejão, tomar Aperol em Capri, Bellini em Veneza ou Taittinger em Goiania, no Morumbi ou em Alphaville-1-sim-senhor, depois passar 8 horas em conference-call com espalhados apátridas discutindo o futuro da marca de cerveja mais icônica, desejada, milionária, criativa, hipster, campeã dos botecos e redes sociais, das praias e power points, tudo isso, se compra. É só pagar que você tem, é só pagar que você consegue comprar a fama, a sua e a da cerveja.

Esse topo da hierarquia tem suas variações, evidentemente. Mas que seja em Berlim ou na Barra Funda, que seja FHC ou o Presidente da Associação das Revendedoras Monavie, Capri ou Fortaleza, o lado é o mesmo, o lado daqueles que preferem comprar.

Compram tudo e tudo que compram é o que lhes dá valor. Compram até o incomprável, amor, fé, coragem, ideia.

Se você se sente um pouco perturbado, enciumado, frustrado, diminuído, se você se sente humiliado e muitas vezes tem vontade de sair batendo e cuspindo na cara dos arrivistas, se você é daqueles que não aguenta mais tanta citação, tanta prepotência e falta de educação, se você é daqueles que enjoou de siglas e anglicismos, se você é daqueles que sente pena dos homens-crachá que compram o que sabem e vendem o que cagam, então confie em algo que eles não tem, nunca terão, mal sabem que não têm.

Essa coisa que eles não tem se chama drible. Drible no pisado, cagado, vomitado.

Deixa falar. Deixa arrotar. Deixa perorar. Deixa até excitarem-se e gozarem. Faça cara de sedução, compaixão, beba com interesse o shopping center de sabedoria.

Quando terminar, silencie. E dessa eloquência serena, faça seu drible de pessoa normal, simples, burra e pobre. Faça uma apreciação ligeiramente idealista, anárquica, fora de contexto, um iluminado na fogueira do auto-da-fé, em transe pré-mortem. Esqueça do que estavam falando, volte lá atrás, pensa naquilo que de mais básico poderia haver e expresse-se com o coração. Ele não mente. Drible com o coração aquela falatório porque o que vem do coração não tem preço. O que vem do coração, eles vão querer comprar também. De você.

A mágica da propaganda é superficial

Roland Barthes dizia que deveríamos tomar da vida o mesmo recuo que tomamos ao admirar um quadro e que dependendo da distância que nos separa do objeto observado, diferentes sensações se superpõem enriquecendo a contemplação ou análise. Assim, a vida pode ser caótica e escravizadora na primeira camada da rotina diária, mas perfeitamente ordenada e libertadora no plano afetivo e finalmente perturbadora e cheia de medos no plano metafísico.

A diferença essencial entre a propaganda e qualquer outra forma de comunicação, inclusive as mais elevadas, é precisamente sua superficialidade. A propaganda deve e precisa operar seus “milagres” na primeira camada de sensações. Não cabe à mensagem publicitária esperar uma espécie de alquimia de sentidos no sujeito, que irá transformar sua apreciação e penetrar seu pulsos essenciais. A propaganda é uma mensagem de consumo e efeito instantâneo.

Claro que essa generalização aceita (como todas)  exceções, mas a mágica da propaganda não sobrevive a nenhuma análise, nenhuma dissecação intelectual e tolera, com náuseas, os arremedos, remendos, enxertos consequentes. Se o efeito não operou, ali, na superficialidade das percepções, joga fora e começa de novo.

É evidente que a poluição infinita na qual a propaganda se manifesta dificulta ou muitas vezes bloqueia qualquer percepção, e de pouco adianta gritar, prolongar o tempo de exposição ou simplesmente repetir ad nauseam a mensagem. O encantamento é caudatário de uma espécie de acaso muito difícil de controlar, mesmo com toda a técnica. Também é uma farsa acreditar que a propaganda é capaz de despertar o sujeito da sua letargia natural. O stopping power só funciona em situações controladas e muito pouco na vida real.

No entanto, quando as circunstâncias são favoráveis, ou seja, quando a atenção do sujeito é razoável – por acaso muito mais do que intenção – a propaganda que faz pensar, com múltiplas mensagens ou camadas de intenções tende a entorpecer novamente o sujeito.

Uma pesquisa de comunicação, por exemplo, deveria durar segundos. O tempo de registrar por observação sensível a reação das pessoas. Talvez pedir primeiras impressões antes de encerrar a sessão. As segundas, as terceiras, os arrière-gouts e todas as dissecações, são não somente inúteis como induzem, com sua racionalidade, a uma deformação letal da mensagem.

Um briefing, também, malgrado todas as imposições e metas, deveria concentrar-se numa única sentença precisa, com palavras garimpadas com todo o cuidado. O restante deveria ser sumariamente extirpado porque não constitui inspiração. As obrigatoriedades, os públicos, os problemas mercadológicos, as razões para acreditar são detalhes execucionais, infelizmente muitas vezes mais valorizados (por clientes e agências) do que a ideia central.

A propaganda é superficial. Tentar aprofundar estraga. A propaganda é uma mágica. Tentar explicar, estraga.

Aspiracionais são eles

Somos uma espécie em extinção por seleção natural. O tempo dos abonados que inspiravam a plebe já era. Nós não somos aspiracionais de ninguém mais.

É uma revolução tranquila que opera há muitos anos no Brasil. Uma revolução alegre. Novos valores, novas estéticas e novos sonhos percorrem as periferias e o fetichismo dos comedores de brioche – nós – ficou ridículo. Talvez nos confinem, um dia, num museu de história natural e morramos de tédio enquanto riem de nossos modos.

Já acontece, devagar.

Ainda chamamos de safari a visita à selva onde moram os normais mas já habitamos um vetusto museu. Temos a pretensão de achar que as pessoas nos imitam como macacos desajeitados mas os animais mal adaptados  somos nós.

Embora ainda possa se falar em aspiração entre classes sociais, o espelho mudou de lado. Quem se inspira em quem mesmo?

É mais tendência  emular o molejo do funkeiro, se vestir de skatista da zona leste, falar com traquejo de bandido do que usar foulard de seda, mocassim sem meias e preferir “Orange is the new black”  a “Vai que cola”.

Está um pouco na hora de parar de achar que pobre se inspira em rico. É uma espécie de preconceito. Não, os consumidores não prezam necessariamente nossa imagem nem desejam acima de tudo ser nossos semelhantes.

A pesquisa aliena a verdade

Quando Simão Bacamarte descreve a patologia dos moradores de Itaguaí, parecem-nos subitamente íntimos vizinhos. Conhecemos cada um daqueles pobres condenados e reconhecemos neles outros semelhantes. No Alienista,  sem ter feito um único focus group, uma única quantitativa e muito menos modernas etnográficas, Machado de Assis desvenda os personagens que perseguimos na nossa badalada ciência da observação.

Só a arte é sincera porque não tem compromisso com a verdade. A arte, se não revela, ao menos resvala na verdade como nenhuma pesquisa é capaz.

Todas as elaboradas técnicas que tentam entender o próximo (o bolso do próximo) não passam de um voyeurismo – muitas vezes bem intencionado –  confrontado a um exibicionismo quase sempre inconsciente.

Ensinaram-nos que o observador altera o objeto observado e por isso somos discretos, condescendentes, ingênuos e fingimos – fingimos – compaixão. A interação tem que ser passiva, absorvente, permeável. Em síntese, o pesquisador finge-se de burro e inocente.

Do lado de lá, ser objeto de estudo é um lustre na autoestima ou pelo menos um divã paciente. Por isso, o observado maquia-se com compostura, elabora o raciocínio, mascara todo reflexo e finge – finge – a verdade. As respostas tem que projetar uma imagem idealizada de si, de seus sentimentos e impulsos. Em suma, o pesquisado finge-se de inteligente e sincero.

Toda pesquisa, mesmo a honesta, é uma charada que depende muito mais do talento do observador do que da técnica.

Os bons observadores são capazes de criar com suas sensibilidades, histórias verdadeiras. Os ruins reproduzem sem originalidade as idiossincrasias das sessões.

Os bons elaboram sem preocupar-se nos embasamentos dos números ou das declarações dos pesquisados. Os ruins nos enfastiam com complicadas teorias que apontam infinitas e nada conclusivas possibilidades.

Os bons estão muito mais para ficcionistas do que pretenciosos donos da verdade. Como Simão Bacamarte, nem sempre são compreendidos e vencem os tristes relatórios com as óbvias recomendações. Uma alienante versão da verdade, a serviço da mediocridade.

A pororoca publicitária

Outro dia passei 4 horas de frente para um telão colossal, aguardando um vôo, em meio a uma desesperante desorganização. Achei que iria enlouquecer. Se frequência e impacto são fatores de convencimento de uma mensagem comercial, eu deveria ter saído lobotomizado daquela experiência. É evidente que excesso de exposição é como um refluxo estomacal. Mas passados alguns dias, não conseguia sequer me lembrar da marca anunciada e tampouco do conteúdo do comercial.

O fenômeno me deixou perplexo. A decoreba involuntária surtiu o mesmo efeito que aquele curso de sleeping-mandarin que comprei anos atrás em que um alto falante dissimulado debaixo do travesseiro repetia a lição ad-nauseam.

Fui atrás e, nas minhas investigações, descobri que o comercial era de carro. Parece ser uma dedução lógica: o que mais poderia ser anunciado em um aeroporto francês, num telão nababesco sem som? E o que mais além de um comercial de uma montadora francesa poderia ser mais sem graça e irritante?

Na briga pela atenção, a experiência do aeroporto é uma boa metáfora para a publicidade de jaleco branco à qual nos submetemos diariamente.

Criam-se comerciais de situações, sucessivas, repetitivas, sincopadas por uma música ritmada e um texto como um scat sem sentido: la dum ba dum pa. Então vem a pesquisa e analisa a atenção detalhada do consumidor cena a cena. Elaboram-se gráficos precisos que irão definir quais devem prolongar-se, quais devem ser suprimidas e qual é a ordem adequada. Uma espécie de sanduíche sem pão: só bacon com maionese.

Difícil dizer o que vem primeiro: a preguiça ou a dissecação. Mas é certo que uma se alimenta da outra: a preguiça criativa é prato cheio para o furor da pesquisa, a pesquisa é um prato cheio para a falta de imaginação. Ou a falta de imaginação é um prato cheio para o lugar comum over-produzido. E a pesquisa assassina, um prato cheio para aliviar a mediocridade.

Big idea em Mongaguá

Antes de mais nada, para falar de Big Idea, é bom definir o que é essa Terra Prometida, Eldorado, Atlântida, País das Maravilhas. Lamentavelmente, existem tantas definições para Big Idea quanto existem Big Ideas. Em outras palavras, uma Big Idea geralmente define-se depois de encontrada.

Para alguns, Big Idea é simplesmente uma boa ideia. Esse talvez seja o mais honesto dos entendimentos.

Para outros, Big Idea é uma espécie de mínimo denominador comum, suficientemente maleável (medíocre) para servir (preguiçosamente) de referencia para toda e qualquer interface de uma marca com seus consumidores.

Para alguns, Big Idea é uma celebridade, para outros, um jingle; para alguns Big Idea é um slogan, para outros é uma identidade visual; para alguns Big Idea é uma data de entrega criativa, para outros Big Idea é só uma alternativa linguística para a mais vulgarizada das palavras, a Ideia.

A definição de Big Idea também flutua ao sabor das tendências – e sabemos como esse mercado é influenciado por qualquer brisa que sopra do Tâmisa ou da Côte d’Azur. Pois a moda agora é dizer que uma Big Idea é uma ideia que tem poder de transformar uma marca num agente de transformação social ou cultural.
Seguindo essa onda, a Big Idea virou uma espécie de álibi para justificar os objetivos mornos, prosaicos e por vezes maliciosos das marcas. É a carta de nobreza do marketing e da propaganda, a moeda que compra a consciência e uma gleba no céu.

Seríamos ingênuos de acreditar que o resultado de Cannes 2013 vai redefinir o papel das marcas na sociedade. Cannes não é Camp Davis, Kyoto, Davos. É só uma festinha de firma, entre colegas, na Mongaguá francesa.

“Não se vai tão longe quando se sabe aonde vai.”

O autor dessa frase foi longe. Muito longe. Inventou a América. Cristóvão Colombo, contra toda lógica, venceu o medo e atravessou o abismo que separava o velho mundo do novo.

Coragem e intuição é o nome do jogo que muitos chamam de acaso. Porque somos medrosos, construímos lógicas e acreditamos em dados. Chamamos isso de ciência. E entre o acaso e a ciência, ficamos com a lógica. O resto é misticismo, fantasia, poesia.

Um dia sacramentou-se que comunicação era ciência, que consumidores eram números, que agências de propaganda, linhas de montagem e, que o marketing, um banco de dados.

A pretensão científica – baseada em lógicas vulgares e manipulação de dados – criou uma pressão por metas cada vez mais difíceis de alcançar com investimentos cada vez menores. Dessa matemática nasceu o mal, a patologia, a doença que acomete a todos: o medo. Medo de não alcançar aquele objetivo que vai pagar aquele bônus no fim do mês. O medo de fazer menos do que esperado. O medo de fazer mais do que o esperado e gerar uma meta ainda maior!

A pretensão científica também relegou a intuição a uma reles ferramenta, uma muleta.

É evidente que a intuição não é uma força bruta, incontrolável e desorientada. Mas é impossível colocar um ovo em pé partindo de quantificações de qualquer espécie, share, vendas, dinheiro, índices, coberturas, frequências, ROIs e que tais.

O que acanha a intuição é, por definição, o objetivo de marketing, o saber-aonde-se-vai cheio de números . A intuição se nutre de outra matéria: observação, repertório, liberdade. Mas quando sabe-aonde-se-vai, a intuição é subjugada pela preguiça medíocre, pelo lugar comum, pelo mínimo denominador comum, pelo easy listening, easy watching, easy understanding.

Nada de errado em fazer propaganda que sabe-aonde-vai. Ela paga bem. Tem ótimo custo/benefício. Vale a pena, cada centavo investido.

Sim, dá para fazer propaganda assim, partindo de insights matemáticos. Não somente dá como é praticamente a regra. Propaganda funciona. A banal e a inspirada.

A banal chega aonde-se-quer-chegar; a inspirada chega aonde nunca-se-pensou-chegar.

Artigo originalmente publicado no Caderno de Propaganda e Marketing de 22 de julho de 2013

A vaca chutou o balde

A temperatura era alta na sala. O leite ordenhado comprara castelos na Espanha, Ferraris, iates, jóias, seduzira as mais lindas mulheres, celebridades, reis, imperadores e a Rede Globo.

– Gente, a big idea é criar um aplicativo que conecta pessoas através de uma realidade aumentada ligada via satélite com a estação espacial internacional que recria uma ambientação holográfica com light mapping em 3 D e sensores de movimentos que estimulam o córtex límbico enviando sinais eletromagnéticos diretamente nas sinapses do prepúcio, induzindo um big gozo estelar.
– É uma gamificação fantástica!
– Um social engajor!
– Vai gerar earned media, PR!
– É uma plataforma de conteúdo nas own medias!
– Titanium, gente, titanium!
– Já imaginou o vídeo case com o Justin Bieber?
– O programa do Carl Sagan e o Larry King!
– E o Porta dos fundos?!

O estagiário levantou a mão e, tímido, mas determinado, pergunta:

– E a nível de filme de propaganda de 30’ na televisão? Alguma big idea?

Apertem o cinto, o prazo sumiu

Alguém já falou que o tempo é a nova moeda. Temos uma relação de amor e ódio com prazos.

Obrigado à preguiça atávica em berço esplêndido. Ela nos deixa mais leves, mais soltos, mais abertos, receptivos, calorosos, pacientes, compreensívos e também mais à toa na vida.

Mas a preguiça entorpece e vicia tanto que a necessidade dilui-se no vazio da existência, o senso crítico esgarça-se e a criatividade atrofia.

Só o tempo que, implacável, escorrega pela vida, é capaz de despertar da deliciosa sedução do ócio. “O prazo, a data, amanhã, amanhã, é para amanhã, e agora meu Deus?” O prazo é uma construção mental que inventamos para sacudir o torpor. Um totem sagrado da criatividade.

Mas tem gente levando isso a sério demais porque o prazo também é inimigo. Ele sacrifica a paz de espírito para hipervalorizar a produtividade. “Se você não é capaz de fazer nesse prazo, você não presta”.

Se a entrega no prazo é mais importante, para que esforçar-se, começar de novo e de novo, experimentar?

O bom-senso, o santo bom-senso, sumiu atrás das agendas pessoais, da ambição medíocre e da superficialidade das referencias.

Só nos resta improvisar. E tudo bem porque o critério também é improvisado.

Viralização pela hora da morte

É gozado como as tendências no mundo da propaganda operam em surtos calibrados pelo nível de sofisticação de quem os lança. Ainda tem gente falando de “estratégias de redes sociais” por exemplo, como se fosse o último grito das passarelas ou de “branded content” achando que descobriram a pólvora para economizar na mídia. Mas um termo que vira e mexe contamina os discursos é o bem-aventurado vídeo viral.

É como se existissem regras de “viralização” que quando seguidas garantem o contagio. Mas as regras são desejos insondáveis porque os vídeos mais chatos e mais engraçados, mais caretas e revolucionários, mais inteligentes e mais dementes, mais papai mamãe e mais pornográficos, podem viralizar de forma inesperada.

Mas o que faz dessa tendência uma falácia extraordinária, no entanto, é que a forma como mensura-se o sucesso da pretensa estratégia (quantidade de vezes que o vídeo foi visto, comentado, compartilhado, etc.) não subtrai o investimento feito (muitas vezes às escondidas) em mídia.

Assim desnuda-se a tendência da viralização para descobrir que viralizou porque veiculou (sic). Descobre-se também que o investimento por visualização ou compartilhamento é menos competitivo do que se esperava. Mas tudo bem, a estratégia foi um sopro de modernidade.

Contas alinhadas esgarçadas

Empresas multinacionais têm por lógica a transferência de vantagens competitivas da matriz para sua filiais pelo mundo. Essa transferência, tecnológica, de conhecimento do mercado, de capacidade de negociação, de reputação, de cultura, de economias de escala, de poder de financiamento, etc é o princípio que permite ganhar mercado. E no fim da linha, fazer os aposentados da Flórida, de Nice ou Lucerna sorrirem com seus dividendos.

Isso vem funcionando há muitos e muitos anos, em toda sorte de empresa, porque essa inteligência transferida supõe que aquela situada na matriz é necessariamente maior e mais preparada que aquela possivelmente encontrada nos países filiais.

Até que um dia, essa suposição é colocada em xeque. E isso acontece por vários motivos, mas principalmente porque o país filial é grande e importante demais para a matriz. Em alguns casos, muitos casos, mais importante do que ela. Estruturas rápidas levam em consideração esse fato e se adequam, fazendo com que a transferência das vantagens não seja de mão única.

Mas isso é raro porque existem vaidades, ambições e – sem medo de usar um chavão de esquerda – desejos de imperialismo arraigados. Vai dizer para um francês, um inglês, um americano, um japonês, que existe vida inteligente abaixo do Equador para termos a clássica resposta “Brilliant! Awesome! Amazing!” mas faça o que eu pedi que vai dar certo.

No mercado publicitário, houve um tempo em que a maioria das agências multinacionais deitava em berço esplêndidos de contas alinhadas. E assim nascia um conflito insolúvel: as necessidades locais X as diretrizes globais. Um enrosco só: se eu sou o cliente local, por que tenho que engolir uma agência global? Porque mandaram? Mas quando o cliente local ganha musculatura, o cliente global perde força. Óbvio.

E a agência filial fica com um discurso do faz de conta embaraçoso. Faz de conta que é global para o agradar o cliente global e faz de conta que é local para agradar o cliente local.

Esse tipo de contradição histórica se sustentava até alguns anos atrás, mas está em frangalhos. Se ainda persiste é por força da ambição imperialista disfarçada de universalista. E as contas alinhadas se esgarçam, assim com as grandes redes de agências que não se conformam até hoje que perderam as suas colônias.

O esnobismo às avessas das agências digitais

Quem arrota mais leva a fama, mas o come quieto leva a grana. E se tem uma coisa que é unha e carne com a propaganda é amplificar qualquer mínima ideia. Até a mais prosaica, a mais falsa, a mais inviável delas, vira um case prodigioso.

Mas as agências tradicionais, os mastodontes que encabeçam a lista das maiores entre as maiores, com centenas de formigas diligentes e obedientes, processos e métodos, intrincadas teias políticas e vetusta imagem comem quieto quando se trata de demonstrar sua vitalidade no frisson digital.

Não é muito lógico, logo elas, especialistas em cacarejar, parecem tímidas adolescentes diante das flamejantes agências digitais. Essas, que preferem nomes mais barrocos, tirados de um baú pseudo-intelectual, tomam a mídia e as salas de reunião de assalto com o argumento pirlimpimpim: nós somos o novo.

E toda a arrogância e a pretensão das gigantes é reinterpretada com megalo-nanismo (de nanismo e onanismo) pelas digital-agencies ou outras nem tão digitais mas igualmente off-Madison.

Por quê?

Complexo de inferioridade mau curado? Para disfarçar estruturas em construção? Imaturidade? Ou simplesmente por que está dando certo? Talvez só instinto de sobrevivência.

Mas a verdade oculta é que os dinossauros tiraram o pó e são habitados hoje pelos mesmos milleniums de sneekers volumosos. A verdade é que a entrega e a qualidade da produção “digital” ou integrada das velhacas é a mesma. A verdade é que as mesmas referências, os mesmos congressos e festivais, as mesmas pesquisas, o mesmo slang erudito são os mesmos gadgets nas apresentações dos pesos pesados, pesos médios e pesos pena.

A título de confirmação irônica, chamar uma digital agency de digital agency é uma heresia que ninguém ousa pronunciar.

Quando o dinheiro era pouco, ele migrava para as alternativas. Agora que ele é muito, o jogo é outro.

O que interessa as marcas, as empresas, os anunciantes não é a “novidade” ou a “subversão”. Não é ser grande, médio ou pequeno. O que interessa é a entrega, integrada, pensada, nova, original. O resto é esnobismo às avessas.

Popular ou ignorante

Outro dia, criticaram dizendo que a propaganda, por ser um reflexo comercial da cultura popular, deveria empregar a língua falada e não “complicar” com construções e palavras “difíceis”. A propaganda, assim como outras formas de comunicação, não poderia referenciar-se na literatura mas sim na rua, na feira, na cadeia.

Tudo vale para justificar essa tese, a começar pelo maior dos lugares comuns: a língua é viva. Ou por detrás do argumento: o capricho do vernáculo é coisa de velho.

Mas parece um grande disfarce.

Por que só haveria vida na rua? Bibliotecas são cemitérios onde vagam espectros arrependidos?

Olho pela janela e vejo mortos se arrastando nas calçadas, zumbis com as costas arqueadas sob o peso da mediocridade. Mas Julien Sorel ou Diadorim ou a cachorra Baleia ou Ahab pulsam na memória. Imortais.

Se não somos mais um país de sub-letrados, permanecemos um povo de sub-literatos. A língua escrita assusta porque é desconhecida.

E lá vem o argumento: a propaganda tem que ser popular, portanto entendida pelo mais ignorante dos consumidores. Mas não é só por isso que a propaganda usa a língua do Faustão, da Veja, da presidenta. Também porque quem faz a propaganda é quase tão “sub” quanto a quem ela se dirige.

A distância entre língua falada e língua escrita só é enorme porque é enorme a ignorância.